TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
587 acórdão n.º 616/18 para o direito infringido, desconsiderando a possibilidade de imediata atuação do julgador, estando no limite de violar o princípio da proibição da indefesa. Efetivamente, ‘no balanceamento ou ponderação de interesses’ do credor, alegadamente lesado, no seu interesse patrimonial, e as exigências de ‘simplificação, celeridade e desjudicialização’, que não permitem direta e imediata sindicância judicial de atos violadores da lei, fazem pender, desproporcionalmente, o equilíbrio processual e subs- tantivo, não sendo compagináveis com aquele princípio constitucional – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 12/05/2015, Processo n.º 110/2015, I Série do Diário da República de 8/06/2015. Assim, este Supremo Tribunal de Justiça considera que a interpretação que, no Acórdão recorrido foi acolhida do art. 163.º do CIRE, sentenciando que “a decisão recorrida tem de ser revogada por o decidido [anulação da venda] exceder os poderes jurisdicionais do juiz titular do processo de insolvência em relação aos atos praticados na liquidação do ativo”, é materialmente inconstitucional, por violar o art. 20.º, n. os 1 e 5, da Constituição da República, do ponto em que não garante ao lesado tutela jurisdicional efetiva do seu direito, e, consequentemente, revoga o Acórdão recorrido. […]”. 2.1. Importa sublinhar que, tendo em conta a particular natureza do presente recurso de fiscalização concreta, o sentido interpretativo do direito infraconstitucional modelado pelo tribunal a quo constitui – afora casos de mani- festo desfasamento da letra da lei – um dado fixo, necessariamente pressuposto pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, como se observou no Acórdão n.º 331/16 [no respetivo ponto 3., a) , “[d]elimitação da questão a apreciar”]: “[…] Independentemente da questão de saber se esta é, ou não, a melhor interpretação da norma em causa – ques- tão sobre a qual o Tribunal Constitucional não deve pronunciar-se, na medida em que a norma ou interpretação normativa questionadas devem ser consideradas, para efeitos da fiscalização […] concreta da constitucionalidade, como um dado – a menos que se trate de uma interpretação que claramente a letra da lei não comporta e, nesse caso, pode socorrer-se do artigo 80.º, n.º 3, da LTC e proceder à interpretação da norma conforme à Constituição. Esta deve, todavia, ser uma situação excecional, uma vez que, em certo sentido, implica que o Tribunal Constitu- cional se substitua aos tribunais comuns na interpretação das normas jurídicas por aqueles aplicadas nas decisões concretas. […]”. É manifesto que a interpretação em causa na decisão recorrida não assenta em qualquer desvio da letra da lei, pelo que o Tribunal Constitucional a tomará, enquanto objeto do recurso, nos seus precisos termos – ou seja, sem questionar, designadamente, se os preceitos dos artigos ali assinalados são convocáveis para a resolução do caso e se a melhor interpretação da norma é no sentido de vedar a arguição da nulidade. Não compete, pois, ao Tribunal Constitucional reapreciar o sentido interpretativo das normas infraconstitucio- nais convocadas para a solução do caso [não lhe cabe, por exemplo, tomar posição sobre se o artigo 163.º do CIRE deve ser interpretado no sentido de afastar o regime das nulidades por violação do disposto no artigo 164.º, n.º 2, do mesmo Código – nesse sentido, embora recusando a aplicação da norma, veja-se a decisão recorrida e o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de abril de 2017; porém, em sentido contrário, veja-se David Sequeira Dinis e Luís Bértolo Rosa, “A proteção dos credores garantidos e o regime do artigo 164.º, n.º 2, do CIRE”, in Revista de Direito da Insolvência, n.º 2 (2018), pp. 22/26]. De todo o modo, impõe-se uma precisão na delimitação da norma. O recorrente alegou, no recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação, que, ao não ter sido notificado, na qualidade de credor garantido, sobre a modalidade da alienação e valor da venda, ficou privado de exercer a faculdade prevista no n.º 3 do artigo 164.º do CIRE – “[s]e, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha
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