TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

588 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a ocorrer por preço inferior” –, compreendendo-se que o tribunal recorrido tenha feito expressa referência àquele n.º 3 como norma cuja aplicação foi recusada. No entanto, os deveres do administrador da insolvên- cia omitidos, eventualmente causadores da invalidade do ato (que o tribunal de primeira instância se negou a apreciar e declarar e o Tribunal da Relação apreciou e declarou), estão previstos no n.º 2 do mesmo artigo – cuja redacção é a seguinte: “[o] credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada”. É, pois, na articulação entre três preceitos que se encontra o arco normativo verdadeiramente correspondente à ratio decidendi : o n.º 2 do artigo 164.º do CIRE (ao prever certos deveres procedimentais do administrador da insolvência), o n.º 3 do mesmo artigo (ao estabelecer uma faculdade que o credor garan- tido viu preterida) e o artigo 163.º do CIRE (ao, no entender da decisão recorrida, limitar a possibilidade de controlo, pelo juiz, da omissão que sacrificou a identificada faculdade). Dito de outro modo, em substância, e ainda que implicitamente, a decisão recorrida recusou a aplicação também da norma prevista no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE (e não apenas da norma contida no n.º 3). Todavia, a (re)construção dos pontos de referência da norma não altera os termos ou o sentido da discussão – tratando-se de um ajustamento meramente formal, não carece de prévio contraditório perante o recorrente, pois deixa intocado o recorte normativo relevante. Temos, pois, que a norma cuja aplicação foi recusada com fundamento na respetiva inconstitucionali- dade – e que, assim, constitui objeto do recurso – é a contida nos artigos 163.º e 164.º, n. os 2 e 3, do CIRE, na interpretação segundo a qual o credor com garantia real sobre o bem a alienar não tem a faculdade de arguir, perante o juiz do processo, a nulidade da alienação efetuada pelo administrador com violação dos deveres de informação do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada. 2.2. Prevê-se no Capítulo III (sob a epígrafe “liquidação”) do Título IV (dedicado à “administração e liquidação da massa insolvente”) do CIRE o regime da liquidação dos bens e direitos apreendidos na insolvência. Tendo estabelecido um conjunto de regras a observar durante o procedimento de liquidação, o legislador optou por atenuar as consequências da inobservância de (pelo menos, algumas) dessas mesmas regras, ao estabelecer, no já citado artigo 163.º do CIRE, que “[a] violação do disposto nos dois artigos anteriores não prejudica a eficácia dos atos do administrador da insolvência, exceto se as obrigações por ele assumidas excederem manifestamente as da contraparte”. Quer os méritos da opção legislativa, quer o exato sentido daquela norma têm constituído motivo de discussão. Luís Alberto Carvalho Fernandes e João Labareda apontam-lhe o seguinte ( Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Lisboa, 2013, p. 646): “[…] Manifestamente, a solução adotada privilegia a tutela daqueles que negoceiam com o administrador, mesmo que à custa dos interesses dos credores. Ter-se-á querido acolher neste domínio uma solução que se aproxima da prevalecente em matéria de vinculação de sociedades de responsabilidade limitada (cfr. artigos 260.º e 409.º do C.S.Com.), a benefício da fluidez e segurança do tráfico jurídico. Mas a opção legal é discutível a vários títulos. Cumprirá, antes de mais, observar que a situação que ocorre no domínio do processo de insolvência é signifi- cativa e substancialmente diversa da que se verifica no decurso da vida normal das sociedades de responsabilidade limitada. Com efeito, quem negoceia com o administrador nessa qualidade não pode ignorar a situação de insolvência que é, aliás, a única fonte da sua legitimidade para agir. Por outras palavras, o administrador só representa a massa e pode agir por ela precisamente porque foi desig- nado como tal na sentença declaratória da insolvência, proferida no processo instaurado com relação a um certo devedor. […]

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