TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

589 acórdão n.º 616/18 Bem vistas as coisas, pois, mesmo olhando ao equilíbrio que resulta do regime de vinculação das sociedades de responsabilidade limitada e por comparação com ele, a solução adotada pelo preceito em anotação é excessiva, com a agravante de se abrangerem todos os processos de insolvência, independentemente de quem seja o devedor. Acresce que o preceito em anotação abre uma clivagem profunda na coerência intrínseca do regime da insol- vência. Com este, intenta-se predominantemente a proteção dos interesses dos credores do insolvente, seja pela via da liquidação universal do património do devedor, seja pela forma prevista num plano de insolvência, devidamente aprovado e homologado ( ex vi do artigo 1.º). O que acontece é que, à vista deste artigo 163.º, conflituando interesses dos credores com os de quem contra- tou com o administrador na qualidade de representante da massa, a lei acaba privilegiando estes últimos, sem que haja um motivo razoável para isso. […]”. É neste âmbito – mais alargado – de discussão sobre o sentido do artigo 163.º do CIRE que se inserem os problemas de interpretação em torno do regime dos vícios decorrentes da inobservância da notificação pressuposta no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE e consequente sacrifício da faculdade prevista no n.º 3 do mesmo artigo. Os autores antes citados ( ibidem , p. 653), entendem que, neste caso, “[…] o administrador [para além de poder ser destituído] responderá perante o credor pelo diferencial entre o valor obtido e o total do crédito garantido, sem prejuízo da faculdade de provar que o credor preterido, se devidamente noti- ficado, apresentaria proposta que não permitiria o ressarcimento integral do seu crédito, caso em que, então, responderá somente até à concorrência da proposta presuntiva”. Luís Menezes Leitão ( Direito da Insolvência , 2.ª edição, 2009, Coimbra, p. 254, nota 306), sustenta também que não há lugar à anulação da venda, apli- cando-se o regime do n.º 3 do artigo 164.º, como responsabilidade pessoal do administrador da insolvência, desde que os credores “[…] demonstrem que a omissão frustrou a possibilidade de apresentar proposta com essas consequências”. No entanto, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões ( Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Coimbra, 2013, p. 465), entendem que a apontada omissão é geradora de nulidade processual. Mais recentemente, a propósito do já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de abril de 2017 (para o qual remeteu a decisão recorrida), David Sequeira Dinis e Luís Bértolo Rosa (A proteção dos credores… , cit., pp. 9 e seguintes), propõem-se analisar se a inobservância da regra procedimental prevista naquela norma (o artigo 164.º, n.º 2, do CIRE) “[…] consubstancia, ou não, uma nulidade processual […]”. Reconhecendo estes autores que a jurisprudência maioritária entende que aquele vício não invalida o ato de venda, sustentam ( ibidem , pp. 14, 15, 32 e 33) que – para além das, mais consensuais, consequências em sede de responsabilidade civil do administrador da insolvência e de causas da sua destituição – o mesmo: “[…] [P]ode gerar, em abstrato, uma nulidade processual, que acarretará a anulação da venda efetuada pelo admi- nistrador da insolvência […]. […] Dizemos em abstrato [por ser] preciso demonstrar, em termos plausíveis, que essa irregularidade era suscetível de ter impacto na venda […]. […] [Por exemplo,] que [o credor] teria sugerido ao administrador de insolvência uma ou mais modalidades de venda diferentes daquela que foi efetivamente adotada e que as modalidades por si sugeridas teriam provavel- mente conduzido a melhores resultados. Será o caso típico da sugestão de uma venda pública, aberta ao mercado, quando comparada com uma venda por negociação particular, fechada ao mercado. Posto isto, se a irregularidade consistir na falta de comunicação ao credor do valor base fixado ou do preço de alienação a entidade determinada, consideramos que o credor garantido tem de demonstrar, em termos plausíveis, que, se tivesse sido notificado

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