TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

59 acórdão n.º 557/18 da República em matéria de legalidade fiscal [alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição], e não nas demais vertentes normativas daquela disposição. 6. As qualidades de contribuinte e de devedor do imposto não têm de coincidir sempre na mesma pessoa: o “contribuinte é a pessoa relativamente à qual se verifica o facto tributário, o pressuposto de facto ou o facto gerador do imposto”, ao passo que o “devedor do imposto é um sujeito passivo qualificado ou o sujeito passivo que deve satisfazer perante o credor fiscal a obrigação de imposto” (cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal , 10.ª edição, Almedina, 2017, p. 248; no mesmo sentido, vide Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal , 1974, p. 353). O conceito de devedor é por isso mais amplo do que o de contribuinte, uma vez que a lei prevê situações em que sujeitos diferentes do contribuinte (substitutos, responsáveis, etc.) podem ser chamados a pagar o imposto. É justamente o que sucede na responsabilidade (tributária) subsidiária, instituto pelo qual a lei faz impender sobre certos sujeitos a obrigação de imposto que recaia sobre o contribuinte (e devedor principal). Tal figura é habitualmente considerada uma fiança legal, porquanto o obrigado responde por uma dívida do devedor principal, a quem é oposto o único ato de liquidação (cfr. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal , 2.ª edição, Coimbra, p. 297; Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos, Direito Tributário , 2.ª edição, Del Rey, 2001, p. 391; Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2015, p. 408). Com efeito, trata-se de responsabilizar alguém pelo pagamento de uma dívida de outrem, por força da intervenção que aquele tem no comportamento do devedor principal (cfr. Saldanha Sanches, Curso de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pp. 268 e 271; Sérgio Vasques, ibidem ). Ora, sendo a dívida a mesma, está habitualmente sujeita ao mesmo prazo de prescrição, aproveitando esta quer ao devedor principal, quer ao responsável subsidiário (cfr. o n.º 2 do artigo 48.º da LGT). Reconheça-se, porém, haver na legislação ordinária desvios a esta regra, protegendo em certos casos o responsável subsidiário face à posição do devedor principal: é o que sucede quando se impede que a interrup- ção da prescrição seja oponível ao responsável subsidiário se a sua citação ocorrer mais de cinco anos depois da liquidação (cfr. o n.º 3 do artigo 48.º da LGT). Assim, evidencia-se a necessidade de tutelar de forma mais intensa a segurança jurídica daquele que não é o responsável principal da obrigação tributária, permitindo que uma causa de interrupção da prescrição não seja oponível ao responsável tributário (cfr. Leite de Cam- pos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 393). Nos presentes autos, como referido, não se questiona a aplicação da suspensão do prazo de prescrição às dívidas tributárias do devedor principal insolvente. Discute-se tão-somente a constitucionalidade do artigo 100.º CIRE, na interpretação que aplica a suspensão prescricional aí prevista também ao responsável subsi- diário no âmbito do processo tributário. 7. O mencionado preceito foi adotado no uso de uma autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto. Em tal diploma, a Assembleia da República autorizou o Governo a “aprovar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, revogando o Código dos Processos Especiais de Recu- peração da Empresa e de Falência” (n.º 1 do artigo 1.º), habilitando-o a estabelecer “um processo de execu- ção universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” (n.º 2 do mesmo artigo). E o problema de constitucionalidade suscitado nos processos de fiscalização concreta decididos pelos Acórdãos n. os 362/15 e 270/17 e pela Decisão Sumária n.º 162/18 foi justamente o de saber se, ao legislar sobre a suspensão da prescrição de obrigações tributárias imputáveis ao responsável subsidiário, o Governo invadiu o domínio da competência legislativa reservada da Assembleia da República.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=