TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
592 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “[…] O direito ao contraditório traduz-se, fundamentalmente, na possibilidade de cada uma das partes poder exer- cer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, oferecer provas e controlar as provas da outra parte, e invocar razões de facto e de direito antes de o tribunal decidir a questão. É esse o conteúdo constitucionalmente exigido do direito à defesa e ao contraditório. […] O que é decisivo é que à parte seja dada a possibilidade de alegar, apresentar provas e contraditar factos que sejam determinantes para a decisão final […]. […]”. Como resulta da jurisprudência acabada de citar, a ideia de proibição da indefesa, embora por regra – e por razões compreensíveis – vá referida ao réu, executado ou demandado, tem um sentido mais amplo, de tutela da posição de qualquer parte. Traduz-se essa tutela na impossibilidade de privá-la – em qualquer assunto que lhe diga respeito, em especial naqueles cujo desenvolvimento processual pode acarretar a frust- ração total ou parcial do direito que procura afirmar – de conhecer os termos em que o seu interesse vai ser apreciado e pronunciar-se sobre esses termos com possibilidade de apreciação da posição assim manifestada por um juiz. Por aí se compreende a sua ligação ao princípio do contraditório. Assim, este verdadeiro direito de acesso ao tribunal – rectius , direito de acesso ao juiz – visa garantir, designadamente, que os seus direitos não são injustamente sacrificados, desproporcionadamente reduzidos ou negados ou ilegalmente desconsid- erados. Dito de outro modo, só se apresenta – para estes efeitos – justo ou equitativo o processo que, nos atos que interferem com a posição jurídica das partes, não ergue uma barreira que as afasta da via procedi- mental que conduz à decisão e da possibilidade de a influenciar e discutir perante o decisor independente e imparcial. Nessa medida, não carece de demorada explicação ser a norma a apreciar nos presentes autos restritiva do direito a um processo equitativo, sendo certo vedar a mesma ao credor garantido a possibilidade de invo- car perante o juiz o vício que consistiu na falta da sua audição sobre um assunto do processo (a venda) que não só lhe diz respeito, como constitui precisamente o ato que visa dar resposta ao interesse que o levou ao processo: a satisfação do seu crédito pelo produto da venda dos bens apreendidos. Trata-se de uma restrição de sinal contrário ao direito previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição (e não ao n.º 5, como vem afir- mado na decisão recorrida, pois a norma não põe em causa a celeridade dos procedimentos – pelo contrário, promove-a, como se verá no ponto seguinte). Resta saber se é tolerável tal restrição. É o que veremos de seguida, começando por assinalar os interesses que visa servir. 2.4. Não é difícil reconhecer no artigo 163.º do CIRE uma preocupação do legislador com a celeridade do processo de insolvência. Este valor constitucionalmente relevante “[…] a que o próprio artigo 20.º da CRP não deixa de se referir no seu n.º 5 –, ao qual se reconhece assumir especial relevância na condução de processos de insolvência […] (seja em benefício dos credores cujos direitos se prosseguem e protegem, seja em benefício do próprio devedor, assim se definindo o seu estatuto)” (Acórdão n.º 401/17) não tem sido esquecido pela juris- prudência constitucional. A este propósito, pode ler-se no Acórdão n.º 248/12 (ponto 6.): “[…] O objetivo da celeridade adquire, no processo de insolvência, uma dimensão de primeiro plano (Menezes Cordeiro, ‘Introdução ao Direito da Insolvência ’ , in O Direito, 137.º, 2005, III, p. 479), que se justifica por duas ordens de razões; em primeiro lugar, devido à situação de incerteza que caracteriza o estado do património envol- vido durante o processo de insolvência; em segundo lugar, devido à natureza do próprio processo de insolvência, que é uma execução universal que envolve inúmeros interesses contrapostos: o do insolvente, porventura interes- sado em retardar ou evitar a insolvência, os dos diferentes credores, marcados por objetivos concorrentes e muitas
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