TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
597 acórdão n.º 616/18 2.5.3. Quanto ao teste final de balanceamento (proporcionalidade em sentido estrito), que necessaria- mente nos conduz a um processo de ponderação de razões ou argumentos, não poderá o Tribunal deixar de notar, desde logo, que o propósito da celeridade se encontra, no domínio de aplicação da norma, desviado do seu sentido. Com efeito, se a celeridade é – como vimos – um interesse a proteger no regime da insolvência “[…] seja em benefício dos credores cujos direitos se prosseguem e protegem, seja em benefício do próprio deve- dor, assim se definindo o seu estatuto” (como já disse o Tribunal no Acórdão n.º 401/17), dificilmente se encontra na norma um benefício para o processo de insolvência, isto é, para os interesses que o processo de insolvência visa servir. Consolidar os atos de liquidação dos quais ficaram arredados os credores garantidos não serve, como é evidente, o interesse destes. Por outro lado, só em reduzida, mediata e incerta medida poderá servir os interesses do devedor – eventualmente, tornando mais expedito o processo que definirá a sua situação patrimonial. Principalmente, a solução redunda, em sinal contrário aos fins do processo (designa- damente, a satisfação dos credores), na proteção do terceiro que negociou e contratou com o administrador da insolvência (cfr. Luís Alberto Carvalho Fernandes e João Labareda, excerto citado no item 2.2., supra ), salvaguardando a sua posição no caso de ter adquirido bens por valor inferior ao que resultaria da intervenção regular dos credores no processo, apesar de saber que negoceia para adquirir bens da massa insolvente. Temos, assim, que da aplicação da norma pode decorrer, de um lado, o efetivo prejuízo dos credores garantidos, que veem os bens serem alienados sem possibilidade de influenciarem os termos da alienação e sem poderem exercer os direitos processuais correspondentes, designadamente o previsto no artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. Ocorrem estas omissões determinantes num momento central e decisivo para realização dos seus direitos patrimoniais, podendo ser prejudicada seriamente ou, no limite, destruída a utilidade económica da sua garantia e comprometida a satisfação do seu crédito, finalidade única da sua atuação no processo e resul- tado único que, no limite do valor do património a alienar, cumpriria ao processo assegurar. A este propósito, salientam David Sequeira Dinis e Luís Bértolo Rosa ( A proteção dos credores…, cit., pp. 22/23), que “[a] alienação de um bem onerado com garantia real é, do ponto de vista do credor garantido, um ato de especial relevo. A experiência demonstra que a satisfação dos credores garantidos depende principalmente (em regra, até depende total ou quase-totalmente) do desfecho da liquidação dos bens onerados com garantias reais. […] [A] alienação de um bem com garantia real sem respeitar as formalidades previstas no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE implica violar de forma direta e imediata direitos subjetivos individuais (ou garantias pro- cessuais individuais) do credor garantido, que são manifestações/corolários do seu direito real de garantia”. A par desta posição, encontramos um interesse eventual e marginal para o devedor. Do outro lado da relação jurídica de alienação, protege-se o adquirente do bem, eventualmente com aproveitamento de uma vantagem à custa dos interesses que, em primeira linha, caberia proteger. Neste contexto, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existiria apenas na medida em que a celeridade tivesse um sentido tendente à salvaguarda da realização de outros fins do pro- cesso com suficiente intensidade para justificar a restrição do direito dos credores garantidos a um processo equitativo, o que, bem vistas as coisas, não acontece. Não existe, consequentemente, uma relação equilibrada entre o valor em causa na prossecução do obje- tivo subjacente à atuação (a celeridade do processo, que resultou desviada dos fins do processo) e o nível de restrição da posição afetada por essa mesma atuação (no limite, a destruição do valor económico da garantia e o esvaziamento do direito de crédito, cuja satisfação constitui uma das finalidades centrais do processo con- cursal). Tal conclusão não se altera mediante a possibilidade de recorrer a meios de tutela indiretos (como seja a responsabilidade pessoal do administrador da insolvência ou a sua destituição), sujeitos a contingências de vária ordem, a condições adicionais e à demora de procedimentos, o que, longe de restabelecer o pretendido equilíbrio, só vem realçar que não existe justificação para restringir o direito do credor garantido ao ponto de o sujeitar a meios de tutela indiretos e imperfeitos. Valeoexpostopordizer que anormanão lograultrapassar o terceiroederradeiro testedeproporcionalidade.
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