TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
60 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Deste modo, o juízo de constitucionalidade sobre aquela interpretação normativa implica que se res- ponda a duas questões: saber se a prescrição das dívidas tributárias se inclui no domínio da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República; e, em segundo lugar, e caso a resposta à primeira questão seja afirmativa, determinar se a referida lei de autorização legislativa constitui título bastante para legitimar a intervenção legislativa do Governo em relação ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário. 8. Reservando a Constituição à Assembleia da República a competência para legislar em matéria de “criação de impostos e sistema fiscal” [alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º], importa saber se a prescrição das obrigações tributárias – concretamente, a sua suspensão – integra tal reserva de competência legislativa. É pacífico que o âmbito da reserva parlamentar se afere por referência à legalidade fiscal consagrada no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição: aí se determina que à lei que cria os impostos [lei formal ou decreto-lei autorizado, nos termos da mencionada alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º] cabe definir as garantias dos con- tribuintes (Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Almedina, 2012, pp. 324 e 362; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, p. 1092, e vol. II, p. 329; Saldanha Sanches, cit. , p. 116; Sérgio Vasques, cit. , p. 331; Ana Paula Dourado, O Princípio da Lega- lidade Fiscal, Almedina, 2015, p. 93; idem, “O Princípio da Legalidade Fiscal na Constituição Portuguesa”, in Perspectivas Constitucionais – Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, p. 440; Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, cit. , p. 105). Nesse sentido, também tem decidido o Tribunal Constitucional, designadamente, nos Acórdãos n. os 274/86 (“é hoje indisputada a interpretação de que ela abrange todos os elementos referidos no n.º 2 do [então] artigo 106.º e que existe uma perfeita homologia, nessa área, quanto ao âmbito dos dois preceitos. […] Em matéria de regime dos impostos, aquilo que é reserva de lei segundo o artigo 106.º, n.º 2, é reserva de lei da AR segundo o artigo 168.º”), 280/10 (“Entende-se que este n.º 2, introduzindo um princípio de legalidade fiscal, traduz a regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impos- tos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”) e 680/14 (“Hoje é pacífico que o âmbito da reserva de lei formal é delimitado por referência às matérias contempladas no citado artigo 103.º, n.º 2”). As razões da inclusão das garantias dos contribuintes no âmbito da reserva de lei formal da Assembleia da República ligam-se à sua essencialidade na definição do sistema fiscal, por delimitarem os poderes da Administração tributária para com os contribuintes. Nessa medida, a respetiva disciplina enquadra-se nos fundamentos que determinam a legalidade fiscal em sentido formal e exige o consentimento dos contribuin- tes, legitimado no Parlamento (Saldanha Sanches, cit. , pp. 116 e 118). Resta saber, se a prescrição das dívidas tributárias constitui uma garantia dos contribuintes que, por isso, se inclui na reserva relativa da Assembleia da República. 9. A prescrição em direito civil é um instituto fundado numa multiplicidade de fundamentos e razões, por vezes contraditórios (a probabilidade de já ter sido o crédito cumprido; presunção de renúncia do deve- dor; sanção da negligência do credor; segurança e certeza do direito; etc. – cfr. Vaz Serra, “Prescrição e Cadu- cidade”, in Boletim do Ministério da Justiça, n. os 105 a 107, 1961, p. 32). Em direito tributário, a mesma não assentará numa presunção de renúncia do credor (dada a natureza indisponível do cumprimento – cfr. Ben- jamim Silva Rodrigues, “A prescrição no direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário , Vislis, 1999, p. 263), sendo antes preponderante o propósito de certeza, segurança e estabilidade das relações jurídicas (neste sentido, vide Leite de Campos, cit. , p. 435; Benjamim Silva Rodrigues, cit. , p. 265; Serena Cabrita Neto e Cláudia Reis Duarte, “O regime da contagem da prescrição no direito tributário – certeza e segurança jurídicas”, in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches , vol. V, 2011, p. 443; Sérgio Cabo, “Nota sobre a prescrição de dívidas tributárias”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano
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