TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), do despacho judicial proferido em 8 de junho de 2016, pedindo a «apreciação da inconstitucionalidade da norma do art.º 7.º, n.º 5, do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001, de 05/06 (...) [c]uja aplicação foi recusada, por ter sido julgada materialmente inconstitucional, no douto despacho de fls. 818 e 819, com fundamento no entendimento de que “a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de uma pessoa coletiva ofende o principio constitucional da intransmissibi- lidade de responsabilidade criminal – n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa”». 2. O presente recurso é incidente de processo comum pendente na 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, no âmbito do qual a sociedade comercial A., Lda, foi acusada e pronunciada pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, 103.º, n.º 1, alínea b), e c) , 104.º, n.º 1, alíneas d) e e) , e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), apro- vado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho. Com fundamento na impossibilidade de apurar o paradeiro dos legais representantes da arguida, foi esta declarada contumaz (fls. 593); posteriormente, foi junta aos autos certidão do registo comercial a atestar que aquela havia sido dissolvida, com registo do encerramento da liquidação e consequente cancelamento da matrícula (fls. 792). Perante esse facto, o Ministério Público promoveu que fosse declarada extinta a responsabilidade crimi- nal da referida sociedade arguida. Sobre tal promoção recaiu o despacho judicial recorrido, cujo teor é o seguinte: «(...) Como resulta de fls. 792 e 793, a sociedade foi dissolvida por decisão administrativa, estando já encerrada a sua liquidação e cancelada a respetiva matrícula no registo comercial. A sociedade considera-se extinta pelo registo do encerramento da liquidação – n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais. O n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal apenas prevê a continuação do procedimento, em fase de execução, quando a extinção da pessoa coletiva seja posterior à condenação pela prática de crime. Portanto, por princípio, a extinção da pessoa coletiva arrasta a extinção do procedimento criminal, atento o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade criminal – n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa. Mas o n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, na sua literalidade (não distinguindo sequer entre falta de personalidade jurídica originária e falta de personalidade jurídica superveniente) impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal da pessoa coletiva já extinta, fazendo correr sobre o património comum ou sobre o património de cada associado a responsabilidade pelo cumprimento da pena que vier a ser aplicada. A responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de uma pessoa coletiva pelo pagamento da pena de multa aplicada por facto imputável à pessoa coletiva ofende o princípio constitucional da intransmissibilidade da responsabilidade criminal – o n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa [como o Tribunal Constitucional teve ocasião de frisar, ao declarar com força obrigatória e geral a inconstitucionalidade da norma consagrada no antigo n.º 7 do artigo 8.º do RGIT (Acórdão n.º 171/14, publicado no Diário da República de 3 de março de 2014)].
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