TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

61 acórdão n.º 557/18 III, n.º 3, 2009-2010, p. 271; e Carlos Valentim, “Sobre a prescrição da obrigação fiscal”, in Revista do CEJ , vol. 2, 2017, p. 315). Todavia, independentemente de o seu fundamento coincidir parcialmente com a ratio legis da prescri- ção civil, não é controversa a natureza da prescrição de dívidas tributárias como garantia dos contribuintes: unanimemente se indica a prescrição justamente como exemplo de figura a que se refere a Constituição no n.º 2 do artigo 103.º. Ao determinar a extinção da relação jurídica tributária (capítulo IV da LGT), ao eliminar o direito de o credor exigir o seu cumprimento (cfr. Cardoso da Costa, cit. , p. 325; Suzana Tavares da Silva, Direito Fiscal – Teoria Geral, 2.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 164) faz “nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, e incide, portanto, sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental” (Acórdão n.º 280/10). Quer isto dizer que a prescrição da obrigação tributária consubstancia um meio de defesa do contri- buinte para com o credor do imposto, cuja invocação impede a cobrança, delimitando assim os poderes da Administração: “A prescrição afasta a possibilidade do credor do imposto poder exigir o cumprimento da prestação tributária, retirando-lhe o atributo da imperatividade coercitiva” (cfr. Benjamim Silva Rodrigues, cit., p. 281), independentemente da questão de saber se a prescrição tributária extingue ou apenas torna ine- xigível a obrigação fiscal (sobre a querela, Carlos Valentim, cit., pp. 308 e seguintes). Nestes termos, a pres- crição das obrigações fiscais constitui “uma das mais relevantes garantias vigentes no ordenamento jurídico tributário, consagrada a favor dos contribuintes” (Serena Cabrita Neto e Cláudia Reis Duarte, cit. , p. 417). A qualificação da prescrição como garantia dos contribuintes é, aliás, reconhecida pelo legislador ordi- nário, quando no artigo 8.º, n.º 2, alínea a) , da LGT abrange expressamente a prescrição e a caducidade no âmbito material e formal da reserva de lei (cfr. Susana Soutelinho, “A «evolução» jurisprudencial sobre prescrição da obrigação tributária”, in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, vol. V, p. 452). Assim, constituindo a prescrição das dívidas tributárias uma proteção dos sujeitos passivos para com a Administração fiscal, protegendo-os contra pretensões de cobrança de impostos, está a sua disciplina ine- lutavelmente abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República (reserva de lei formal), com natural relevância para as suas causas de suspensão: “Deste modo, elementos como a fixação do prazo, a definição do dies a quo em função do tipo de imposto periódico ou de obrigação única, a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão, a relevância ou irrelevância da citação para quaisquer destes efeitos têm de constar de lei com tal valor” (Benjamim Silva Rodrigues, cit. , p. 266). A integração da prescrição tributária na reserva de lei formal tem respaldo jurisprudencial, quer na juris- dição infraconstitucional (cfr., entre muitos, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2009, Processo n.º 629/2009), quer na jurisprudência do Tribunal Constitucional: “Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, e incide, portanto, sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental, poderá entender-se, como vem sendo aceite pela doutrina, que integra uma garantia dos contribuintes” (Acórdão n.º 280/10). Aliás, foi esta argumentação que levou o Tribunal Constitucional a considerar também inclusa nas garantias dos contribuintes (e, por isso, na reserva de lei formal) o instituto da caducidade da liquidação dos impostos, uma vez que se trata de figura que faz nascer o direito de o contribuinte recusar o tributo que lhe venha a ser exigido, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – cfr. o Acórdão n.º 168/02. Se assim é, a disciplina das causas de suspensão e interrupção é inerente à regulação da prescrição tribu- tária, porquanto a definição de eventos que parem a respetiva contagem impede a atuação daquela garantia dos contribuintes (Acórdão n.º 280/10). Nestes termos, a disciplina da prescrição das dívidas tributárias (e, especificamente, as suas causas de suspensão) compreende-se necessariamente no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que o Governo apenas pode regular tal matéria se devidamente autorizado para o efeito.

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