TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
612 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL agora apurar se a dimensão normativa desaplicada infringe, como ajuizado pelo tribunal a quo, o parâmetro de constitucionalidade contido no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição, ao estabelecer que «a responsabili- dade penal é insuscetível de transmissão». Reconhecidamente, a norma constitucional consagra uma das refrações do princípio da pessoalidade das penas, o qual, como sublinhado pela jurisprudência e pela doutrina, implica « a) extinção da pena e do procedimento criminal com a morte do agente; b) proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros; c) impossibilidade de sub-rogação no cumprimento das penas» (Acórdão n.º 337/03 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada , Coimbra Editora, 3.ª edição, 1993, página 197). Vimos já que o critério normativo recusado pelo tribunal a quo conduz a uma irrestrita responsabili- zação dos sócios de sociedade declarada extinta pela pena de multa decorrente da prática de ilícito penal tributário. Isto ainda que tal sócio não assuma, a priori , qualquer intromissão na definição da vida societária. E mesmo que não seja perspetivado pelo ordenamento jurídico como tendo contribuído para o cometimento do crime por não ostentar, paralelamente, qualquer culpa ou concorrência no cometimento dos factos sub- jacentes à infração. Como, igualmente, dispensa a verificação de uma sua qualquer atuação concorrente para uma dimi- nuição culposa do património social e que vá ao ponto de inviabilizar o pagamento da multa ou um com- portamento preordenado ao não cumprimento de tal responsabilidade por parte da pessoa coletiva. Não há, assim, um qualquer pressuposto autónomo ou exigência de juízo diferenciado que permita concluir estarmos apenas em face de uma pura responsabilização pela não satisfação culposa do montante da multa. Tal significa que a responsabilidade subsidiária estatuída pelo legislador tributário na interpretação nor- mativa sindicada se opera com total abstração da eventual responsabilidade pessoal do associado e sem que sobre este recaia um juízo autónomo de responsabilização, orientado por critérios de decisão próprios (dis- tintos dos que regulam a responsabilidade penal) e radicado na censura específica do desrespeito de deveres fiduciários daquele para com o património comum e a satisfação de interesses públicos. 13. Perante tais dados normativos, o tribunal a quo considerou que se estava perante uma transmissão da responsabilidade penal para terceiros, impondo o mesmo juízo de inconstitucionalidade que recaiu sobre o sentido normativo fiscalizado no Acórdão n.º 171/14, para cuja doutrina remeteu. No referido aresto, proferido pelo Plenário no âmbito da via processual de generalização de juízos de inconstitucionalidade prevista no artigo 82.º da LTC, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, “na parte que se refere à respon- sabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática da infração pelas multas aplicadas à sociedade”, com fundamento em violação do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição. O Tribunal começou por sublinhar que, ao contrário de outras normas a estatuir a responsabilidade subsidiária de administradores, gerentes ou outras pessoas com função de administração pelo pagamento de multas ou coimas a pessoas coletivas em processo penal, nas quais a responsabilidade se fundava em facto autónomo da infração (Acórdãos n. os 437/11, 561/11 e 249/12), na norma então em apreço, o gerente se encontrava sujeito a uma responsabilidade solidária pela multa aplicada à pessoa coletiva, responsabilidade derivada da mesma atuação dolosa que podia determinar a sua própria condenação a título pessoal. Assente o pressuposto de que não estavam em causa quaisquer factos, anteriores ou posteriores à aplicação da sanção que tenham colocado a pessoa coletiva na impossibilidade de pagamento, considerou-se que a obrigação solidária imposta no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, independentemente da qualificação formal que lhe seja atribuída, consubstanciava verdadeiramente uma consequência jurídica do ilícito penal que fora diretamente imputado à pessoa coletiva e, nessa medida, integrava uma transmissão de pena, com o sentido definido pelo artigo 30.º, n.º 3, da Constituição. Diz-se no referido aresto:
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