TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

613 acórdão n.º 636/18 «(...) [A] imposição de uma responsabilidade solidária a terceiro para pagamento de multas aplicadas à pessoa coletiva, independentemente de ele poder ser corresponsabilizado como coautor ou cúmplice na prática da infra- ção – tal como admite o n.º 7 do artigo 8.º -, configura uma situação de transmissão da responsabilidade penal, na medida em que é o obrigado solidário que passa a responder pelo cumprimento integral da sanção que respeita a uma outra pessoa jurídica, implicando a violação do princípio da pessoalidade das penas consignado no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição. O princípio da responsabilidade criminal das pessoas coletivas, que começou por ser admitido em certas áreas delimitadas da criminalidade (direito criminal da economia, da saúde, da informática ou das infrações tributá- rias), foi consagrado como regra, relativamente a certo tipo de crimes, no direito penal de justiça, através da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, com base num critério de imputação assente numa atuação em nome e no interesse da pessoa coletiva e que não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes (artigo 11.º, n.º 2 e 7, do Código Penal). Não se trata, por isso, de uma responsabilidade por facto de outrem, mas antes de uma verdadeira responsabilidade autónoma e distinta da responsabilidade que possa ser imputada a pessoas físicas que compõem a pessoa coletiva e que pressupõe que estas entidades possam constituir objeto de censura ético-penal (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora , 2008, pág. 81). E nesse sentido, a multa aplicada a pessoa coletiva em processo penal não perde o caráter de pena criminal e o seu efeito de natureza pessoalíssima, com a consequente sujeição ao princípio consagrado naquele artigo 30.º, n.º 3, da Lei Fundamental (quanto à não inconstitucionalidade da criminalização das pessoas coletivas, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 213/95). Como refrações do princípio da pessoalidade das penas aponta-se a extinção da pena e do procedimento cri- minal com a morte do agente, a proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros e a impos- sibilidade de subrogação no cumprimento das penas (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, pág. 504). Por outro lado, com o princípio da pessoalidade das penas não se pretende afirmar que os efeitos das penas não possam refletir-se desfavoravelmente em relação a ter- ceiros mas tão-só que o seu efeito direto e imediato se deve limitar à pessoa do delinquente, de forma a que, se a lei comina a aplicação de uma pena de multa para uma certa infração, somente aquele que a praticou a deve sofrer ou pagar (João Castro e Sousa, As Pessoas Coletivas em face do Direito Criminal e do chamado Direito de Mera Ordena- ção , Coimbra, 1985, pág. 118). Proíbe-se, em suma, que a pena recaia sobre uma pessoa diferente da que praticou o facto que lhe serve de fundamento (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 337/03). Estamos perante uma transmissão de pena com o sentido definido pelo artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, quando se verifica a imputação de responsabilidade a uma certa categoria de sujeitos para suprir a inoperatividade prática da responsabilidade penal que recai sobre a pessoa coletiva. A responsabilidade solidária do administrador ou gerente pressupõe que, em momento anterior, tenha sido estabelecida a responsabilidade penal da pessoa coletiva, com a aplicação de uma multa. A determinação em con- creto da medida da pena, no correspondente processo penal, tem por base fatores exclusivamente atinentes à pessoa coletiva enquanto autora da infração, e à qual são estranhas quaisquer circunstâncias que digam pessoalmente respeito ao responsável solidário, como o grau de culpa ou a sua situação económica.  Certo é que constitui condição da responsabilidade solidária, nos termos do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, a comparticipação do gerente na prática da infração tributária, mas essa relação de causalidade, podendo originar uma responsabilidade pessoal, não tem qualquer interferência na fixação da multa aplicável à pessoa coletiva. A responsabilidade solidária opera independentemente da responsabilidade pessoal do condevedor e quer a este seja ou não imputada, a título individual, a mesma infração. A norma prevê, por conseguinte, não já uma mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoa coletiva. Poderá dizer-se que a comunicação ao administrador ou gerente da multa aplicada à pessoa coletiva pela prática da infração corresponde a um mecanismo de garantia de pagamento do quantitativo monetário da multa, que não encerra uma censura penal, nem impede o ulterior exercício do direito de regresso contra a sociedade, nem tem

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