TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
614 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para o responsável solidário outras consequências de natureza estritamente penal (cfr., neste sentido, o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 8 de janeiro de 2014). O ponto é que nenhuma destas considerações, a manterem validade, descaracteriza o aspeto central do regime sancionatório instituído pelo n.º 7 do artigo 8.º do RGIT. O que importa reter é que a pessoa coletiva exime-se ao cumprimento da pena através da transferência do dever de pagar a multa para o devedor solidário e o Estado exonera-se, por essa via, do exercício do jus puniendi de que é titular. O que consubstancia objetivamente uma transmissão de pena e põe em causa a indisponibilidade dos interesses que as reações criminais visam tutelar.» Efetivamente, entre o sentido normativo desaplicado nos presentes autos e aquele apreciado no Acórdão n.º 171/14 denotam-se claros pontos de aproximação, na ótica do parâmetro em equação, conduzindo a idêntico juízo de censura constitucional. O sentido normativo em apreço comporta uma imputação de responsabilidade assente no próprio facto típico que é caracterizado com infração penal tributária, agora dirigida a todos os associados de sociedade comercial extinta com o encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do CSC, mecanismo votado apenas a obviar os riscos de incapacidade do pagamento de multa. Trata-se, por conse- guinte, e tal como acontecia com o n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, de regime legal votado apenas, ou prima- cialmente, à salvaguarda do programa punitivo, por meio da incidência sobre pessoa ou pessoas diferentes do agente as consequências jurídicas de natureza pecuniária decorrentes do facto típico. E, nessa senda, o legis- lador prescinde de qualquer exigência dirigida aos associados, a acrescer a essa simples condição, dispensando a averiguação e demonstração de uma qualquer ingerência ou interferência dos mesmos no trato comercial e tributário da sociedade, convivendo mesmo com o respetivo alheamento total das decisões que definam e moldem a vontade da pessoa coletiva condenada. Do que se trata é, assim, e também aqui, de uma extensão da responsabilidade penal do ente coletivo aos associados. Não colhem as objeções do recorrente, que defende a distinção entre as dimensões apreciadas no âmbito do Acórdão n.º 171/14 e nos presentes autos, em função da natureza subsidiária da responsabilidade do património dos associados (e não solidária, como era acolhida no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, entretanto revogado) e da inexistência de uma entidade coletiva, revestida de uma esfera jurídica própria, a quem pudesse ser imputada uma verdadeira responsabilidade autónoma. Sendo certo que a responsabilidade dos associados acolhida no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT se exerce subsidariamente ao chamamento do substrato patrimonial comum da entidade coletiva, pressupondo a veri- ficação da inexistência ou a insuficiência deste para satisfazer o pagamento da sanção penal, não é menos certo que o critério normativo de decisão obtido por mediação interpretativa e em questão no presente recurso não comporta a concorrência de patrimónios autonomamente imputáveis, pressuposta na responsabilidade subsidiária. Na verdade, o sentido normativo em apreço não se reporta a todo o tipo responsabilidade decor- rente da atividade de uma sociedade comercial mas, especificamente, à responsabilidade pelo pagamento de multa criminal imposta a sociedade extinta pelo registo do encerramento da liquidação, como estipulado no n.º 2 do artigo 160.º do CSC; o que comporta, como se viu supra (cfr. ponto 11), a finalização de um processo dirigido à realização e destinação de todos os haveres sociais, nada restando. A (eventual) pena de multa imposta a uma sociedade extinta nessas condições – possibilidade aceite e perspetivada pelo tribunal a quo, recorde-se – constitui, na realidade das coisas, a condenação de uma concha vazia, cujas consequências jurídicas irão recair, inexoravelmente, sobre o património dos associados. E, o que se mostra decisivo para a resposta à questão sub juditio , tais consequências de índole patrimonial prescindem de uma qualquer culpa em matéria de gestão da sociedade, pois as realidades postas em relevo pelo Ministério Público não acrescentam qualquer requisito adicional que possa subjazer à responsabilização dos associados para além da simples assunção de tal qualidade. Não se perfila, como emana do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT uma complementar responsabilidade subsidiária daqueles que exerçam funções de gestão ou administração da entidade sem personalidade jurídica, conquanto lhes seja subjetivamente imputável a falta de pagamento da pena de multa.
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