TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10. Cumpre, deste modo, analisar se a lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE – a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto – habilitava o Governo a aprovar uma norma correspondente à interpretação normativa sindicada no âmbito dos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade que estão na origem do presente processo de generalização, porquanto a norma em causa está ancorada no artigo 100.º do CIRE. Nestes termos, a regularidade formal apenas se verificará, caso a citada lei de autorização legislativa contenha uma credencial bastante para o Governo modificar a prescrição tributária dos responsáveis subsidiários. Com efeito, se um decreto-lei exceder a autorização, disciplinando matéria reservada à Assembleia da República fora dos limites estabelecidos pela lei autorizante, será organicamente inconstitucional (cfr. Jorge Miranda, “Anotação ao artigo 165.º”, in Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pp. 538 e 540). Nestes termos, se o citado artigo 100.º do CIRE, na interpretação sub iudicio , afeta as garantias dos contribuintes, ocorre uma violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, enfer- mando a citada interpretação normativa de inconstitucionalidade orgânica. Só assim não será se se puder extrair do objeto e sentido da autorização uma habilitação suficiente para o Governo determinar a suspensão prescricional de dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por efeito da declaração de insolvência do devedor principal. Dito de outro modo: importa saber se, ao autorizar o Governo a adotar o CIRE, estava o Parlamento a legitimar a regra segundo a qual a declaração de insolvência do devedor principal implica a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário. 11. A suficiência da autorização legislativa contida na Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, foi discutida na base de duas linhas de argumentação. Por um lado, defendendo-se a tese de que a regra de suspensão prescricional de todos os créditos cons- titui uma garantia de operacionalidade do processo de insolvência cuja específica natureza necessariamente implica a abrangência das dívidas tributárias, mesmo que exigidas ao responsável tributário. Assim, ao auto- rizar o Governo a regular um processo universal de insolvência, incluía-se a necessidade de determinar a suspensão da prescrição de todas as obrigações do devedor. Por outro lado, sustentando-se que a alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º daquela Lei – preceito que legitima o Governo a legislar sobre as “consequências decorrentes do processo especial de insolvência para o Estado e a capacidade do insolvente ou seus administradores” – bastaria para habilitar a disciplina dos efeitos da insolvência nos processos tributários. Cumpre analisar tais argumentos. 12. Seguindo a primeira linha argumentativa, a habilitação do Governo decorreria da própria raciona- lidade e teleologia do processo de insolvência: ao ser autorizado a criar “um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeada- mente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” (n.º 2 ao artigo 1.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto), o Governo ficaria também legitimado a determinar a suspensão da prescrição de todas as dívidas do insolvente (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de junho de 2014, Processo n.º 119/14 – objeto do recurso de constitucionalidade decidido pelo Acórdão n.º 362/15 – e a análise de Márcia Antunes Gomes, cit. , p. 12). Com efeito, a autorização ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal”, em que se possa apurar a totalidade dos créditos, envolve necessariamente a adoção de regras atinentes ao constran- gimento de todos os credores à reclamação dos seus direitos em tal processo (artigo 90.º do CIRE), que se pretende ficarem estabilizados até ao respetivo encerramento. Isso justifica, aliás, os efeitos processuais sobre outras ações (artigos 88.º e 89.º do CIRE), designadamente a suspensão dos processos de execução fiscal que

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