TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mera garantia de um duplo grau de jurisdição em matéria penal; a distinção entre as duas figuras per- mite afirmar que a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na existência de duplo grau de jurisdição; se o direito ao recurso pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, pode não se bastar com ele. IV - O Acórdão n.º 429/16, que esteve na origem do presente “processo aplicável à repetição de julgado”, foi proferido pelo Plenário do Tribunal na sequência do recurso, do Acórdão n.º 412/15, tendo por fundamento a divergência entre o juízo de inconstitucionalidade aí contido e o Acórdão n.º 163/15; afastando-se da orientação até então sufragada na jurisprudência constitucional, diante da nature- za da pena privativa da liberdade e do contexto normativo substancialmente diferente, o Acórdão n.º 429/16 entendeu não haver suficiente valia para justificar a compressão do direito fundamental ao recurso do arguido na eliminação da possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído que o direito de defesa do arguido face a uma condenação em pena de prisão efetiva, na 2.ª instância, não se encontra suficientemente protegido pela norma em análise, por não lhe permitir sindicar a condenação proferida na Relação, depois de lhe ser compreensivelmente vedado, desde logo por falta de interesse ou legitimidade, recorrer da decisão de primeira instância. V - A limitação do direito ao recurso imposta no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Penal vem sendo justificada pelo legislador com o intuito de assegurar a celeridade processual e uma eficiente organização do sistema de administração da justiça, designadamente através da racionaliza- ção do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, cuja intervenção se considera dever ser limitada aos casos de maior merecimento penal; apesar disso, indispensável será que a compressão do direito fun- damental em causa na solução da limitação do recurso, para além de adequada e mesmo necessária, não se apresente como excessiva para assegurar os fins prosseguidos, designadamente tendo em vista os efeitos que produz na garantia de defesa do arguido. VI - No confronto do grau de compressão do direito de recurso enquanto garantia de defesa do arguido decorrente da norma em análise, com os ganhos por ela adquiridos para os fins de celeridade e raciona- lidade do sistema de recursos, em especial na componente de limitação do acesso à mais alta instância (Supremo Tribunal de Justiça), a proibição de recurso contida na norma em análise sempre deverá ser considerada uma concretização insuficiente das garantias de defesa do arguido consubstanciadas no direito ao recurso, pelo que se acompanha-se a conclusão do Acórdão n.º 429/16 no sentido da inconstitucionalidade da norma em apreciação; independentemente de se configurar a proteção insu- ficiente da garantia de defesa do arguido que é o direito ao recurso resultante da norma em apreciação como uma ablação total daquele direito, ou como uma restrição excessiva do mesmo, o resultado é sempre o da sua invalidade constitucional. VII - Na norma em apreciação apenas se encontram abrangidos casos em que o tribunal de 2.ª instância procede ele mesmo à determinação da sanção, não reenviando o processo para o tribunal de 1.ª ins- tância; nestas circunstâncias, a irrecorribilidade do acórdão do tribunal de 2.ª instância tem como consequência que a tão relevante matéria da determinação da espécie e medida da pena seja apreciada uma única vez – pelo tribunal de recurso – e escape, assim, ao controlo de uma segunda instância, não se encontrando garantido, nessa parte, um duplo grau de jurisdição; o tribunal de 2.ª instância não procede a uma reapreciação de matéria já apreciada pelo tribunal de 1.ª instância, mas sim a uma apreciação ex novo : pronunciando-se o tribunal a quo pela absolvição do arguido, não chega, naturalmente, a apreciar a matéria da sanção, que pressupõe uma decisão positiva quanto à questão
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