TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
69 acórdão n.º 595/18 da culpabilidade, sendo essa parte da decisão da 2.ª instância, por definição, inovatória, não sendo assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime, não se afigurando sustentável uma ausência absoluta de controlo do processo decisório de escolha e determi- nação da medida da pena de prisão. VIII - Mais decisivo, é que tal ausência de controlo compromete excessivamente as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas; uma tal solução não se apresenta como inevitável para alcançar os fins prosseguidos; dentro da discricionariedade deixada ao legislador para definir o regime processual de recursos, são, com efeito, diversificadas as soluções configuráveis no sistema de recursos em processo penal com vista à harmonização do interesse na otimização dos recursos e o célere funcio- namento da justiça com os direitos de defesa do arguido, designadamente o direito de recorrer de uma condenação em pena privativa da liberdade; ponto é que a racionalização do acesso ao Supremo não seja alcançada à custa da negação da possibilidade de exercício do direito ao recurso, enquanto direito fundamental de defesa do arguido, designadamente quando está em causa o valor da sua liberdade. IX - Esse sacrifício do direito ao recurso não é compensado pela possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público ou assistente da decisão absolutória da 1.ª instância ou através da garantia do contraditório, pois nestes casos de reversão no tribunal de recurso de uma absol- vição em condenação as consequências jurídicas do crime só são definidas no julgamento do recurso; assim, apesar de o duplo grau de jurisdição facultar ao arguido a possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da sentença absolutória, esta faculdade não lhe assegura a possibilidade de sindicar o processo decisório subjacente à escolha e à determinação da medida concreta da pena de prisão que será aplicada no futuro e a consequente reapreciação dos respetivos fundamentos, vendo-se o arguido confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma, escapando a qualquer controlo os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida adequada da pena. X - A norma em apreciação, além de deixar livre de qualquer controlo parte da decisão condenatória, implica uma intensa e grave restrição ou compressão do direito ao recurso, uma vez que resulta total- mente excluído da sua proteção o poder de recorrer de uma parte da decisão, precisamente aquela que acarreta o maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido. XI - Quanto mais grave for a pena aplicada ( i. e. , quanto mais intensa for a potencial violação dos direi- tos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso – ou de, em compensação, contrabalançar a afetação da posição processual do arguido com a proteção de um interesse público igualmente valioso; a norma em apreciação refere-se à condenação em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, que não pode considerar-se como uma pena de menor gravidade dentro do universo das penas abstratamente aplicáveis, desde logo, porque a pena de prisão constitui a mais intensa restrição a direitos fundamentais admissível no ordenamento jurídico-penal português, comprometendo o valor da liberdade, sendo incontestável que a Constituição dispensa uma tutela especialmente intensa ao direito à liberdade, que aprofunda o regime geral aplicável a todos os direitos fundamentais, contido no artigo 18.º XII - Esta distinção entre as penas privativas e não privativas da liberdade adensa-se se pensarmos na elas- ticidade que caracteriza a execução da pena de multa (ou mesmo qualquer pena não detentiva), em contraste com a execução coativa das penas não detentivas; a execução da pena de prisão efetiva não
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