TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL  6. A norma em causa no presente processo possui, pois, dois elementos caracterizadores: (i) a existên- cia de uma decisão absolutória da primeira instância que é revertida pela decisão do Tribunal da Relação e (ii) essa reversão resultar na condenação em pena de prisão efetiva. Tendo em conta a natureza do recurso previsto no artigo 82.º da LTC e o princípio do pedido (artigo 79.º-C da LTC), essa dimensão normativa contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP é, portanto, a única sobre a qual importa emitir um juízo com vista à declaração de inconstitucionalidade, e não qualquer outra, nomeadamente decorrente do mesmo preceito legal. Desta forma, não é possível confundir a norma objeto de fiscalização com outras dimensões normativas extraídas do mesmo preceito legal que, apesar de terem sido também já objeto de apreciação pelo Tribu- nal Constitucional, ficam excluídas do âmbito de apreciação a empreender no presente acórdão. É o caso, designadamente, das normas que estabelecem a irrecorribilidade, respetivamente, do (i) «acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal de 1.ª instância» (Acórdão n.º 101/18); (ii) do «acórdão da Relação que, perante a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de multa alternativa, atentando, no âmbito do estabelecimento das consequências jurídicas do crime subjacente a tal condenação, apenas nos factos tidos por demonstrados na sentença absolutória» (Acórdão n.º 672/17); e, finalmente, (iii) dos «acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações que, após deci- são absolutória de 1.ª instância, condenem e apliquem pena de multa a arguida pessoa coletiva» (Acórdão n.º 128/18). Todas estas normas foram objeto de uma apreciação autónoma e distinta da que agora se fará. c) Enquadramento histórico-legislativo da questão objeto de fiscalização 7. Desde a aprovação do CPP pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, o sistema de recursos nele previsto foi já objeto de inúmeras alterações. O direito ao recurso das decisões – condenatórias ou absolu- tórias – proferidas pelo tribunal de 1.ª instância encontra-se estabelecido desde a versão inicial do Código. Originariamente, no CPP de 1987 só era admitido um grau de recurso, estabelecendo-se uma divisão “horizontal” de competências entre as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça: do tribunal singular recor- ria-se para as primeiras; do tribunal coletivo e do tribunal de júri recorria-se para o Supremo (artigos 427.º e 432.º). Este recurso para o Supremo Tribunal de Justiça respeitava apenas a matéria de direito (artigo 433.º, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n. os 2 e 3, que consagrava – e ainda consagra – o chamado modelo de revista alargada). A circunstância de o recurso ser interposto de uma decisão proferida pelo tribunal sin- gular justificava a sua reapreciação por um tribunal colegial segundo as regras tradicionais da apelação. Dife- rentemente, assegurada a colegialidade do tribunal no julgamento de 1.ª instância, garantido o contraditório e obtida a imediação, o recurso reassumia a característica vincada de remédio jurídico, em que o mecanismo de reapreciação dos factos se reconduzia a uma mera válvula de segurança. Daí que se justificasse o recurso diretamente para o mais elevado órgão jurisdicional conferindo-lhe instrumento para detetar e diligenciar pela correção de situações indicadoras de verificação de erro judiciário (sobre a temática, vide José Narciso da Cunha Rodrigues, “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, Alme- dina, 1989, pp. 393-394). Eram irrecorríveis os acórdãos proferidos pelas Relações em recurso [artigo 400.º, n.º 1, alínea d) , do CPP 1987]. A Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, viria alterar este estado de coisas, tendo introduzido a possibilidade de se recorrer dos acórdãos proferidos em recurso pela Relação, salvo nos casos em que a lei estabelecesse a irrecorribilidade (artigo 399.º do CPP). Visando possibilitar o recurso em matéria de facto das decisões do tribunal coletivo – antes irrecorríveis – introduziu-se o duplo grau de recurso, passando assim a admitir-se um primeiro recurso para a Relação das decisões do tribunal coletivo (incluindo a matéria de facto) e um segundo recurso da decisão de 2.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça [artigos 400.º, n.º 1, alí- nea f ) , 427.º, 428.º, n.º 1 e 432.º, alínea b), do CPP]. A admissibilidade do duplo grau de recurso foi, no entanto, mitigada pela introdução de fatores de limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça baseados

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