TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

76 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do arguido), antes tem neles um limite infrangível” (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 516)». 14. De outro lado, cabe ainda salientar que a garantia do direito ao recurso não deve ser confundida com a garantia de um duplo grau de jurisdição. Como se escreveu no Acórdão n.º 429/16, ponto 16, estes são «conceitos autónomos e não confun- díveis. Por “direito ao recurso” entende-se – de um modo geral – a faculdade conferida à parte vencida de suscitar o reexame de uma decisão que lhe foi desfavorável e da qual discorda com o intuito de corrigir erros e de ver proferida uma decisão que vá ao encontro das suas expetativas. Por seu lado, com a menção a “duplo grau de jurisdição” pretende-se significar a possibilidade de reexame efetuado por um órgão jurisdicional distinto e hierarquicamente superior ao que apreciou a causa pela primeira vez, com prevalência sobre este». É certo que a existência de uma hierarquia de tribunais judiciais, constituída pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos tribunais judiciais de primeira e de segunda instância, encontra também referência expressa no texto constitucional, designadamente anos artigos 209.º, n.º 1, alínea a) , e 210.º. Não merece igualmente contestação que existe «uma forte ligação entre o direito ao recurso e a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição», desde logo porque «pelo menos ao nível das exigências de um processo justo – (…) o “duplo grau de jurisdição” é pressuposto do exercício do direito ao recurso» e porque a jurisprudência do Tribunal Constitucional «reconhece também a possibilidade de o direito ao recurso se consumar através da existência desse duplo grau de jurisdição» (cfr. Acórdão n.º 429/16, ponto 16). De todo o modo, como se observou ainda no Acórdão n.º 429/16, ponto 16, enquanto «a Constituição consagra expressamente o direito de recurso em processo penal, nada refere, todavia, sobre os graus de juris- dição exigíveis para concretizar o direito ao recurso. A garantia de defesa constitucionalmente prevista é, com efeito, autónoma em relação aos graus de recurso». Assim, apesar da forte ligação entre ambos os conceitos, esta «não significa que baste o duplo grau de jurisdição para se considerar sempre assegurado o direito ao recurso. Sendo conceitos interligados, eles não devem, porém, ser confundidos, sob pena de diluição do valor próprio e autónomo que a Constituição reconhece, no artigo 32.º, n.º 1, ao direito ao recurso no contexto das garantias de defesa». Efetivamente é de rejeitar uma leitura redutora de ambas as figuras, que reconduz o direito ao recurso à mera garantia de um duplo grau de jurisdição em matéria penal. Uma tal leitura implica uma interpretação restritiva do direito ao recurso, expressamente previsto na Constituição como uma garantia do arguido, que não encontra fundamento constitucional em qualquer outro texto normativo vinculativo da República Portuguesa. A distinção conceptual entre as figuras, aliás, tem resultado da jurisprudência do Tribunal Cons- titucional, como referido no Acórdão n.º 429/16, ponto 16: «Assim, embora o direito de recurso, “imperativo constitucional, hoje consagrado de modo expresso no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição”, deva ser entendido “no quadro das ‘garantias de defesa’ – só e quando estas garantias o exijam” (Acórdão n.º 30/01, n.º 7), deve-lhe ser reconhecido “um valor garantístico próprio e não ‘dissolúvel’ em outras garantias de defesa” (Acórdão n.º 686/04, n.º 4). Como o Tribunal reconheceu no Acórdão n.º 628/05, onde se julgou não inconstitucional a norma que previa a irrecorribilidade de um acórdão da Relação que confirma pena de 6 anos de prisão em crime punido com mol- dura penal entre 4 e 12 anos de prisão, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f ) , do CPP, a garantia constitucio- nal do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam‑se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 1229/96 e 462/03 […])” (n.º 7 do Acórdão). No Acórdão n.º 324/13, anterior à alteração do CPP operada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, referente a norma que previa a irrecorribilidade de acórdão proferido pela Relação que aplique pena de prisão não superior a cinco

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