TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Afastando-se da orientação até então sufragada na jurisprudência constitucional, diante da natureza da pena privativa da liberdade e do contexto normativo substancialmente diferente, o Acórdão n.º 429/16 entendeu não haver suficiente valia para justificar a compressão do direito fundamental ao recurso do arguido na eliminação da possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. O referido Acórdão aceitou como interesse público prosseguido, justificativo da compressão do direito ao recurso, a necessidade de limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de forma a prevenir a sua eventual paralisação, na linha da jurispru- dência que de há muito vinha sendo seguida por este Tribunal na esteira do Acórdão n.º 49/03, da 3.ª Secção. O Acórdão n.º 429/16 rejeitou, todavia, por incompatível com o parâmetro de controlo extraído do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, a possibilidade de tal finalidade ser alcançada «à custa do sacrifício do conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido» (ponto 15), o que concluiu verificar-se na norma em apreciação. 16. Concluiu-se, no Acórdão n.º 429/16, que o direito de defesa do arguido face a uma condenação em pena de prisão efetiva, na 2.ª instância, não se encontra suficientemente protegido pela norma em análise. Ao permitir a imediata execução da pena de prisão em que foi condenado, sem que elementos decisivos da condenação que o priva da liberdade possam ser sindicados, deixando-os à margem de qualquer impugnação ou mesmo contraditório, a norma em apreciação representa uma concretização insuficiente das garantias de defesa do arguido consubstanciadas no direito ao recurso, configurando uma “ablação total” daquele direito do arguido, em violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, por não lhe permitir sindicar a condenação proferida na Relação, depois de lhe ser compreensivelmente vedado, desde logo por falta de interesse ou legitimidade, recorrer da decisão de primeira instância (Acórdão n.º 429/16, ponto 21). f ) Análise da questão de constitucionalidade 17. Como se deixou já amplamente referido, enquanto expressão autónoma que é das garantias de defesa do arguido, o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe ao legislador que, no âmbito do espaço de conformação que lhe é reconhecido na definição dos graus de recurso, adote soluções que, para além de justificadas por valores relevantes e dignos de proteção, não limitem de forma desrazoável, arbitrária ou des- proporcionada as possibilidades de recorrer, nem atinjam «o conteúdo essencial das garantias de defesa» do arguido. Trata-se de algo que o Tribunal Constitucional tem insistentemente afirmado: «muito embora se aceite que o legislador possa fixar um limite acima do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição, preciso é que “com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido”, devendo a limitação dos graus de recurso ter “um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado”» (vide Acórdão n.º 324/13, do Plenário, ponto II.3, itálico aditado, citando o Acórdão n.º 189/01, 1.ª Secção, ponto 7). Ora, a limitação do direito ao recurso imposta no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP vem sendo justificada pelo legislador com o intuito de assegurar a celeridade processual e uma eficiente organização do sistema de administração da justiça, designadamente através da racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, cuja intervenção se considera dever ser limitada aos casos de maior merecimento penal. Entende o legislador que a garantia constitucional do direito ao recurso – corolário da garantia de acesso ao direito e aos tribunais – deve conjugar-se também com um desígnio de celeridade associado à presunção de inocência e à descoberta da verdade material. Este intuito insere-se no contexto de revisão da lei processual penal iniciado em 2007, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, a que acima já se aludiu, que introduziu uma nova disciplina do julgamento de recurso com o propósito expresso de «restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal» (cfr. exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que deu origem à referida Lei n.º 48/2007). O mesmo desiderato viria a ser prosseguido também com a revisão empreendida pela Lei n.º 20/2013, em que foi dada a atual redação ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP.

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