TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

79 acórdão n.º 595/18 A restrição do recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça adotada pelo legislador encontra, portanto, justificação em interesses de celeridade e eficiência da administração da justiça penal, dignos de proteção à luz do texto constitucional. Apesar disso, indispensável será, ainda, que a compressão do direito fundamental em causa na solução da limitação do recurso, para além de adequada e mesmo neces- sária, tendo em vista, designadamente, resguardar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, não se apresente como excessiva para assegurar os fins prosseguidos, designada- mente tendo em vista os efeitos que produz na garantia de defesa do arguido. 18. Não se duvida da razoabilidade formal que o fundamento para a limitação dos graus de recurso encontra na pretensão de salvaguardar o acesso ao tribunal que ocupa o topo da hierarquia na organização judiciária dos tribunais criminais, reservando-o para os casos de maior merecimento penal, bem como nos valores constitucionalmente protegidos da eficácia e a celeridade da administração da justiça. No entanto, a verdade é que no confronto do grau de compressão do direito de recurso enquanto garantia de defesa do arguido decorrente da norma em análise, com os ganhos por ela adquiridos para os fins de celeridade e racionalidade do sistema de recursos, em especial na componente de limitação do acesso à mais alta instân- cia (Supremo Tribunal de Justiça), a proibição de recurso contida na norma em análise sempre deverá ser considerada uma concretização insuficiente das garantias de defesa do arguido consubstanciadas no direito ao recurso. Acompanha-se, pois, a conclusão do Acórdão n.º 429/16 no sentido da inconstitucionalidade da norma em apreciação. Independentemente de se configurar a proteção insuficiente da garantia de defesa do arguido que é o direito ao recurso resultante da norma em apreciação como uma ablação total daquele direito, como foi sustentado no Acórdão n.º 429/16, ponto 21, ou como uma restrição excessiva do mesmo, o resultado é sempre o da sua invalidade constitucional. 19. Na verdade, para se aferir sobre a respetiva conformidade constitucional importa determinar em que medida a norma sub judicio afeta as garantias de defesa do arguido. Neste plano, na linha do que acima se dei- xou consignado a respeito da relação existente entre direito ao recurso e duplo grau de jurisdição, é impres- cindível verificar se a norma permite a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto, para depois determinar se corresponde a uma tutela suficiente das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Logo no primeiro momento, da verificação de um duplo grau de jurisdição, é de identificar um pro- blema. Como se sublinha no Acórdão n.º 429/16, ponto 19: «Nos casos em que existe uma absolvição da primeira instância revogada por decisão condenatória em pena de prisão da segunda instância, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime. Trata-se, pelo contrário, de uma decisão inovadora com consequências fundamentais na posição jurídica do arguido, designadamente na sua liberdade, relativamente à qual é negado o acesso a uma reapreciação por um tribunal superior. Na verdade, uma situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede a condenação em pena de pri- são, no tribunal de recurso, implica necessariamente o surgimento de uma parte da decisão que se apresenta como integralmente nova: o processo decisório concernente à determinação da medida da pena a aplicar. A decisão que define a pena de prisão é proferida pelo Tribunal da Relação sem que anteriormente, designadamente em primeira instância, haja qualquer apreciação sobre a pena a impor ao arguido. O arguido vê-se confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma. Exis- tem, portanto, nesta situação, dimensões do juízo condenatório que não são objeto de reapreciação. Pelo menos quanto a estas matérias, existe uma apreciação pela primeira vez apenas na instância de recurso, sem que exista a previsão legal de um segundo grau de jurisdição. Neste contexto, aceitar a irrecorribilidade da decisão condenatória, em situações como a configurada pela norma em apreciação, seria admitir que o direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=