TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

80 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, não garante sequer a reapreciação por uma segunda instância da decisão que define a pena de prisão efetiva. Esta seria, assim, uma decisão do juiz que se apre- sentaria como livre de qualquer controlo». É de realçar, a este propósito, que na norma em apreciação apenas se encontram abrangidos casos em que o tribunal de 2.ª instância procede ele mesmo à determinação da sanção – «condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos» –, não reenviando o processo para o tribunal de 1.ª instância. Essa é, aliás, a regra interpretativamente estabelecida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016, que fixou a seguinte jurisprudência: «em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a Relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b) , 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) , primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal». Nestas circunstâncias, a irrecorribilidade do acórdão do tribunal de 2.ª instância tem como consequên- cia que a tão relevante matéria da determinação da espécie e medida da pena seja apreciada uma única vez – pelo tribunal de recurso – e escape, assim, ao controlo de uma segunda instância (destaca este ponto Damião Cunha, “Algumas questões do atual regime de recursos em processo penal”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 22, n.º 2, abril-junho 2012, p. 298). Nessa parte, não se encontra garantindo, na verdade, um duplo grau de jurisdição. 20. Ora, o apuramento da proporcionalidade de uma qualquer restrição ao direito ao recurso não pode alhear-se, desde logo, do tipo de intervenção do tribunal superior que assegura o duplo grau de jurisdição. Do ponto de vista das garantias de defesa do arguido, quanto maior for o conteúdo inovatório da decisão condenatória do tribunal de 2.ª instância, tanto mais insustentável será a sua irrecorribilidade. No caso da norma em apreciação, o tribunal de 2.ª instância não procede a uma reapreciação de matéria já apreciada pelo tribunal de 1.ª instância, mas sim a uma apreciação ex novo : pronunciando-se o tribunal a quo pela absolvição do arguido, não chega, naturalmente, a apreciar a matéria da sanção, que pressupõe uma decisão positiva quanto à questão da culpabilidade (cfr. artigos 368.º e 369.º do CPP). Essa parte da decisão da 2.ª instância é, por definição, inovatória. Desta forma, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime. Sendo de há muito dado adquirido na dogmática das consequências jurídicas do crime que a determina- ção judicial da pena concreta constitui «estruturalmente aplicação do direito», deixando «por toda a parte de ser considerado como uma questão relevando exclusiva ou predominantemente da subjetividade do julgador, da sua arte de julgar» (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 40-41, no mesmo sentido, vide Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, p. 13), não se afigura sustentável uma ausência absoluta de controlo do processo decisório de escolha e determinação da medida da pena de prisão, como se concluiu no Acórdão n.º 429/16, ponto 19. 21. Mais decisivo para a questão de constitucionalidade que importa aqui resolver, em todo o caso, é que tal ausência de controlo compromete excessivamente as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas. Desde logo, importa notar que uma tal solução não se apresenta como inevitável para alcançar os fins prosseguidos. Dentro da discricionariedade deixada ao legislador para definir o regime processual de recur- sos, são, com efeito, diversificadas as soluções configuráveis no sistema de recursos em processo penal com vista à harmonização do interesse na otimização dos recursos e o célere funcionamento da justiça com os direitos de defesa do arguido, designadamente o direito de recorrer de uma condenação em pena privativa da liberdade (para uma perspetiva das várias soluções avançadas pela doutrina, vide Sandra Oliveira e Silva, ob. cit., pp. 283 e seguintes). Ponto é que a racionalização do acesso ao Supremo não seja alcançada à custa

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