TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
81 acórdão n.º 595/18 da negação da possibilidade de exercício do direito ao recurso, enquanto direito fundamental de defesa do arguido, designadamente quando está em causa o valor da sua liberdade. Para além disso, esse sacrifício do direito ao recurso não é compensado pela possibilidade de contra- -alegar no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público ou assistente da decisão absolutória da 1.ª instância ou através da garantia do contraditório. Nestes casos de reversão no tribunal de recurso de uma absolvição em condenação as consequências jurídicas do crime só são definidas no julgamento do recurso. Assim, apesar de o duplo grau de jurisdição facultar ao arguido a possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da sentença absolutória, esta faculdade não lhe assegura a possibilidade de sindicar o processo decisório subjacente à escolha e à determinação da medida concreta da pena de prisão que será aplicada no futuro e a consequente reapreciação dos respetivos fundamentos. Na verdade, o arguido vê-se confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma. Neste caso, os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida ade- quada da pena escapam a qualquer controlo. Desta forma, além de deixar livre de qualquer controlo parte da decisão condenatória, a norma em apreciação implica uma intensa e grave restrição ou compressão do direito ao recurso, uma vez que resulta totalmente excluído da sua proteção o poder de recorrer de uma parte da decisão, precisamente aquela que acarreta o maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido. 22. Levado ao limite, este argumento poderia parecer impor a garantia da recorribilidade de qualquer decisão condenatória que se apresente como inovatória, independentemente da pena concretamente apli- cada. Poder-se-ia argumentar que, num caso de condenação que reverte uma absolvição de 1.ª instância, o direito ao recurso é tão afetado com a aplicação de pena de multa como com a aplicação da pena máxima de 25 anos de prisão. Um tal raciocínio ad consequentiam – que visa refutar a necessidade de recurso da condenação que, revertendo uma absolvição de 1.ª instância, aplica pena de prisão pelas supostas consequências indesejáveis que poderia acarretar para a eficácia e celeridade do sistema de justiça penal ao implicar também o acesso ao recurso da condenação que, revertendo absolvição de 1.ª instância, aplica uma pena de multa – baseia-se, no entanto, num paralogismo inaceitável desde logo porque a restrição do direito ao recurso em ambos os casos não é equivalente. Existe, com efeito, uma diferença qualitativa entre a pena de prisão e todas as outras penas que deve ser relevada na verificação do respeito pelo direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido. Ignorar as particularidades da pena de prisão efetiva, é desprezar a correlação existente entre o direito fundamental ao recurso e os direitos fundamentais caracteristicamente restringidos pela pena, o que não pode ser aceite, já que é a gravidade da pena que se reflete na esfera pessoal do arguido. Quanto mais grave for a pena aplicada ( i. e. , quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos fundamentais do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso – ou de, em compensação, contrabalançar a afetação da posição pro- cessual do arguido com a proteção de um interesse público igualmente valioso. Ora, a norma em apreciação, e que foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 429/16, refere-se à condenação em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos. Uma tal pena não pode considerar-se como uma pena de menor gravidade dentro do universo das penas abstratamente aplicáveis. Desde logo, porque a pena de prisão constitui a mais intensa restrição a direitos fundamentais admissível no ordenamento jurídico- -penal português, comprometendo o valor da liberdade. Além de se revestir de uma conotação fortemente pejorativa por se encontrar associada a uma ideia de infâmia social o que a torna na pena mais estigmatizante de todas as sanções, não será excessivo lembrar que o cumprimento da pena de prisão – diferentemente de outro tipo de penas, designadamente não detentivas, implica inevitavelmente a “dessocialização” do conde- nado que se vê forçado ao afastamento do meio familiar, profissional e social. Independentemente de se poder ou não retirar do texto constitucional uma ordenação rígida de bens jurídicos, é incontestável que a Constituição dispensa uma tutela especialmente intensa ao direito à liberdade,
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