TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
83 acórdão n.º 595/18 multa alternativa, sempre que esta se encontrar prevista no tipo legal aplicável; e um momento posterior, coincidente com a opção de não substituir a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos por qualquer uma das penas de substituição previstas no Código Penal (CP) e aplicáveis ao caso. Tendo em conta a especial amplitude do juízo cuja revisibilidade é nestes casos excluída e, em particular, o facto de nela irem justamente implicadas ambas as operações jurídicas que, a montante e a jusante, conduziram a uma decisão de privação da liberdade, compreende-se que a mera possibilidade de influenciar o processo decisório que, em caso de revogação da decisão absolutória proferida em primeira instância, o Tribunal da Relação terá de levar a cabo para estabelecer as consequências jurídicas do crime, corresponda a uma concretização insuficiente ou deficitária das garantias de defesa do arguido incluídas no direito ao recurso» (cfr. Acórdão n.º 672/17, ponto 14). A diferença adensa-se se pensarmos na elasticidade que caracteriza a execução da pena de multa (ou mesmo qualquer pena não detentiva). Pense-se, v. g. , na possibilidade de pagamento diferido da multa ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3, do CP), na faculdade de requerer a substituição, total ou parcial, da pena de multa por prestação de dias de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º, n.º 1, do CP) ou na prorro- gação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão [artigo 55.º, alínea d) , do CP], para citar apenas algumas das possibilidades previstas na lei. Em contraste com a execução coativa das penas não detentivas, a execução da pena de prisão efetiva não pode ser condicionada por qualquer decisão adicional. Não existe qualquer outro meio de defesa ao dispor do condenado para impedir, atenuar ou sequer adiar a execução da prisão efetiva em que é definitivamente condenado. Por conseguinte, a ausência de possibilidade de recurso implica a imediata restrição forçada da sua liberdade o que demonstra o imperativo de se reconhecer ao condenado o direito ao recurso enquanto valor garantístico próprio – e único! – no quadro das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido. Ademais, tendo o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa, uma função primordial precisamente na prevenção da condenação injusta, não se exigindo dupla conforme na norma em apreço, a probabilidade de haver erro judiciário é naturalmente maior – ceteris paribus – do que nas situações em que a Relação con- firma a decisão de primeira instância. 24. O desvalor constitucional que se identifica na impossibilidade de interpor recurso da condenação em pena de privação da liberdade proferida pelo tribunal de recurso em reversão da absolvição de 1.ª instân- cia, não tem paralelo nos casos em que à revogação da sentença absolutória proferida em primeira instância se segue a aplicação de uma pena de multa. Diante destas circunstâncias, a compressão do conteúdo do direito ao recurso traduzida na impossibi- lidade de impugnar as consequências jurídicas do crime impostas na primeira decisão condenatória quando estas se saldam na imposição de uma pena de prisão representa um sacrifício dos direitos fundamentais do arguido de tal ordem que não encontra já fundamento suficiente no propósito em si legítimo de racionaliza- ção do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Deste modo, ainda que, no contexto em questão, a Constituição não atribua ao direito ao recurso uma proteção absoluta, negar ao arguido a possibilidade de se defender – ex post facto – desta decisão constitui uma afetação de tal modo relevante da posição da defesa que sempre exigiria, como contrapeso valorativo, a justificação num interesse público de relevo equivalente. 25. Em suma, ao negar o acesso a uma reapreciação por um tribunal superior (no caso o Supremo Tribunal de Justiça) a norma atinge o direito ao recurso de forma excessivamente gravosa porquanto de consequências fundamentais na posição jurídica do arguido, designadamente na sua liberdade. É, por isso, inconstitucional por violar o artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
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