TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
85 acórdão n.º 595/18 DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencido, pois mantenho o entendimento que assumi no Acórdão n.º 429/16, cuja doutrina é reno- vada no presente aresto, aderindo à declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral aposta no Acór- dão n.º 412/15. Continuo a entender que o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, é assegurado através da efetivação de um duplo grau de jurisdição sobre a causa, não implicando a vinculação do legislador a consagrar um novo grau de recurso (triplo grau de jurisdição), nas circunstâncias delimitadas na norma em apreço. 2. A posição que fez vencimento considera que, no sistema vigente, a dimensão normativa em exame não comporta verdadeiramente a garantia um duplo grau de jurisdição, uma vez que, pronunciando-se o tribunal de 1.ª instância pela absolvição, não chega a conhecer da matéria sancionatória (espécie e medida da pena). Não haveria, então, nessa situação, um reexame das consequências jurídicas do crime, antes uma apreciação ex novo pelo tribunal ad quem , diminuindo intoleravelmente as garantias de defesa do arguido. Elementos decisivos da condenação em pena privativa da liberdade permanecem – afirma-se – «à margem de qualquer impugnação ou mesmo contraditório» (ponto 16 do Acórdão). Não acompanho a visão fragmentária do exercício da jurisdição sobre uma causa penal que decorre desse entendimento. A decisão absolutória não deixa, por o ser, de comportar o julgamento da pretensão punitiva, de acordo com a delimitação temática operada pela acusação e pronúncia (previamente apreendida pelos visados), independentemente de se verificar um nexo de prejudicialidade entre as várias questões a decidir, designadamente entre o bloco de questões atinentes à culpabilidade (artigo 368.º do CPP) e as questões relativas à determinação da sanção (artigo 369.º do CPP), pois estas pressupõem um juízo positivo de culpa- bilidade. Do mesmo jeito, perante impugnação por via de recurso de uma decisão absolutória, pedindo a sua reversão e emissão de juízo de condenação, o tribunal da relação, habilitado a conhecer de facto e de direito (artigo 428.º do CPP), e vinculado a substituir a decisão por aquela que considere ser a legal [como é próprio de um sistema de substituição vigente, ainda que limitado pela possibilidade de reenvio em casos pontuais e não evitáveis por outro procedimento (artigos 426.º e 430.º do CPP), e não de cassação], exerce igualmente com plenitude a sua jurisdição no julgamento do recurso e emissão de decisão condenatória (ou absolutória). Nesse sentido, qualquer decisão proferida pela relação em sede de recurso de decisão final representa uma segunda apreciação (um reexame) sobre o mérito da causa penal (unitária) por um tribunal superior. Problema diferente é saber se, na conformação do exercício da jurisdição em segunda instância, o legisla- dor assegurou o respeito das garantias de defesa do arguido, sempre que o tribunal ad quem adquira resposta positiva às questões de culpabilidade e perspetive as questões de determinação das consequências jurídicas do crime. Efetivamente, pode suceder que, por opção de defesa, o arguido tenha escolhido não abordar cau- telarmente essa matéria na resposta ao recurso, receoso de que viesse por essa via a credibilizar um eventual desfecho condenatório do recurso, ou o acervo de factos constante dos fundamentos da decisão absolutória seja insuficiente, ou, ainda, que esse acervo sofra modificação por efeito de impugnação da decisão em maté- ria de facto e/ou renovação da prova (sobre tais problemas, cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 4/2016, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21 de janeiro de 2016, publicado no Diário da República , 1.ª série, n.º 36; cfr. em especial pontos 3.6. a 3.10.). Todavia, esse feixe de questões interpela, não a norma de irrecorribilidade da decisão condenatória do tribunal da relação, mas as normas que disciplinam o julgamento feito em segunda instância, quando decide em recurso de decisão absolutória e determina a espécie e a medida da sanção. Normas essas cuja confor- midade constitucional não se encontra em equação no presente processo, como não esteve em qualquer das decisões invocadas no pedido de generalização, e cujos eventuais défices garantísticos não são supridos por via do alargamento do acesso a um terceiro grau de jurisdição, no vértice da hierarquia dos tribunais judiciais (com evidente afetação da racionalidade e funcionalidade do sistema judiciário), para mais limitado nos seus
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