TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inteiramente um valor que a jurisprudência constitucional portuguesa sempre sublinhou – o da necessária salva- guarda da racionalidade do sistema de justiça. Com efeito, encontram-se aqui imbricadas duas questões diferentes que não podem ser confundidas. Uma é a questão de saber se as alterações entretanto introduzidas no sistema de recursos fixado pela lei processual penal satisfazem plenamente as exigências decorrentes do direito a um duplo grau de jurisdição. Outra a questão de saber em que circunstâncias é que se deve entender que, existindo julgamento em segunda instância, ainda assim impõe a Constituição que se abra nova via de recurso para tribunal superior. Não se contesta que, nos casos em que tenha havido absolvição em primeira instância, a lei processual penal tem o especial dever de modelar o recurso para a segunda instância, e o julgamento que nela se processa, de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido. Isso mesmo o tem dito a jurisprudência do TEDH, em apli- cação conjunta do disposto quer no artigo 6.º da CEDH (direito a um processo equitativo) quer no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção (direito a um duplo grau de jurisdição). A forma como se devem aplicar as regras do processo equitativo ao julgamento em segunda instância penal – de modo a tornar efetivo o direito a um duplo grau de jurisdição – tem sido na verdade tema abundantemente tratado pelo Tribunal de Estrasburgo […]. No entanto, note-se, não era essa a questão que, no caso presente, se encontrava em julgamento. No caso presente estava em juízo diferente questão – a de saber se era ou não inconstitucional a norma do Código de Processo Penal que consagra a irrecorribilidade para o Supremo do acórdão da Relação que, inovato- riamente face a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos. Julgar inconstitucional a norma com fundamento em problema diverso, e no caso não colocado – a saber, os eventuais vícios existentes na modelação do recurso do tribunal de primeira instância para a Relação e na forma como nesta última se processa o julgamento – não me parece acertado. Sobretudo, quando por esta via se desfaz uma jurisprudência anterior consolidada, e que, a meu ver, realizava o equilíbrio que, nesta matéria e segundo creio, a Constituição exige» (vide a respetiva declaração junta ao Acórdão n.º 412/15). 3. Acresce que a ponderação realizada na decisão a propósito da aplicação do princípio da proporcio- nalidade – além de inconsistente com o próprio direito ao recurso enquanto garantia processual acolhida constitucionalmente no sistema de direitos, liberdades e garantias – torna ainda mais evidente que, na busca do necessário equilíbrio entre garantias de defesa do arguido e racionalidade do sistema judiciário, o Tribunal afirmou positivamente o seu próprio entendimento quanto ao modo de o concretizar, extravasando, por isso, e na ausência de demonstração de redução a zero do espaço de conformação legislativa, da sua função de mero controlo negativo. – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, com que concordo inteiramente. No estádio atual das coisas, não me sobram dúvidas quanto à inconstitucionalidade de uma norma que recusa ao arguido o recurso de decisão da Relação que, revertendo uma sentença absolutória da primeira instância, condena o mesmo arguido numa pena de prisão efetiva. Esta é, de resto, a constelação típica em que o problema ganha uma expressão paradigmática e se reveste de maior e mais óbvio relevo prático-jurídico. Considero, porém, que, do lado da fundamentação, se adscreve um peso porventura excessivo ao pro- blema de determinação da sanção. Isto à custa de uma relativa subvalorização do direito fundamental ao recurso, consignado no n.º 1 do artigo 32.º da Lei Fundamental, precisamente o comando constitucional que oferece o parâmetro ao juízo de inconstitucionalidade. Nesta linha e vistas as coisas à luz do direito ao recurso – sc. posta em parênteses a questão lógica e normologicamente posterior da determinação da sanção –, não me parece que haja uma diferença decisiva ditada pela natureza da pena, em definitivo aplicada. Do ponto de vista teleológico e político-criminal, em matéria de recurso há uma grande comunicabilidade entre a condenação em prisão efetiva e, por exemplo, a condenação em multa. O que me leva a acreditar – e esperar
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