TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direito ao recurso das decisões – que tendo em comum o facto de constituírem garantias de defesa processual, não se sobrepõem; acresce que os presentes autos incidem sobre a interpretação segundo o qual o parecer do administrador equivale à apresentação à insolvência pelo próprio devedor, pelo que é controversa a admissibilidade da sua refutação. III - Todavia, a restrição operada não implica necessariamente a inconstitucionalidade, havendo que inda- gar se a norma do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) em causa respeita os limites impostos pelo princípio da proporcionalidade, à luz dos três subprincípios e correspondentes testes concretizadores do mesmo resultantes da jurisprudência constitucional: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. IV - Considerando o inegável valor da celeridade processual que a norma sindicada, no quadro do CIRE, no âmbito da margem de conformação do legislador democrático, não deixa de assegurar, afigura-se evidente que a medida ínsita na norma sindicada se mostra adequada à prossecução de tal fim público legítimo – a celeridade do processo de insolvência – mostrando-se assim superado o primeiro dos referidos testes con- cretizadores do princípio da proporcionalidade; de modo similar, se pode sem grande dificuldade admitir que aquela medida possa ainda ser necessária para a prossecução do fim público da celeridade processual, por não se descortinarem outras medidas com menor intensidade lesiva do direito de defesa em tribunal e ao contraditório passíveis de prosseguir em termos idênticos o interesse público em causa. V - Todavia, é no âmbito da sujeição ao teste da proporcionalidade em sentido estrito que a norma em análise se revela problemática, por não se afigurar existir uma relação equilibrada entre o interesse público a prosseguir e o grau de restrição da posição do credor afetado pela medida ínsita na norma; apesar de a norma em causa ter sido introduzida por Lei da Assembleia da República e ainda que a solução concorra para o indiscutível interesse da celeridade processual (constitucionalmente tutelado no artigo 20.º), fá-lo de forma desequilibrada e desproporcionada, produzindo efeitos que não podem considerar-se necessários; desde logo, não estando o Processo Especial de Revitalização (PER) vedado às pessoas individuais com atividade empresarial, impedir o devedor singular de discutir a declaração de insolvência pode ter como efeito vedar-lhe o pedido de exoneração do passivo restante ou a admi- nistração da massa insolvente, excedendo por isso o necessário ao efeito de celeridade que se pretendia; por outro lado, a interpretação normativa em crise pode ter por efeito a postergação cabal do contra- ditório, declarando-se a insolvência sem que o devedor se possa opor antes ou mesmo depois. VI - Porque a norma interpretativamente extraída da disposição do n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE implica a equivalência do parecer ao pedido de insolvência pelo próprio devedor, é conjeturável a denegação de impugnação em sede de embargos (tidos como contraditório subsequente); nessa medida, independentemente da questão de saber se já se transgrediu o limite do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição, haverá, pelo menos, uma limitação desproporcionada dos direitos de defesa do devedor; à luz de um juízo de proporcionalidade em sentido estrito, têm-se em conta as conse- quências da denegação ao contraditório prévio à decisão judicial – que, no caso, envolvem a privação dos poderes de administração e disposição dos bens da massa insolvente como efeitos jurídicos da declaração da insolvência – , pelo que a esta luz, a restrição (ou supressão) das garantias de defesa do devedor revela-se desproporcionada perante o interesse de celeridade processual que se pretendia atingir, impedindo o devedor de alegar e provar factos que pudessem conduzir a um juízo de inexis- tência da situação de insolvência; a norma não realiza a concordância prática entre os dois valores que era constitucionalmente imposta.

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