TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
98 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL vinculado a construir um regime processual que conduza a uma decisão judicial em prazo razoável (Lopes do Rego, Acesso ao direito… , cit., p. 54). O interesse constitucionalmente protegido de celeridade na resposta judiciária e a garantia de um regime processual que implique a audição contraditória dos sujeitos envolvidos podem conflituar. O Tri- bunal Constitucional vem entendendo que “entre os valores da «proibição da indefesa» e do contraditório e os princípios de celeridade processual, da segurança e da paz jurídica existe à partida, e como se afirmou no Acórdão n.º 508/02, uma relação de equivalência constitucional: todos estes valores detêm igual relevância e todos são constitucionalmente protegidos”. E é por essa razão que se impõe ao legislador que consagre “soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito” (Acórdãos n. os 350/12 e 657/13, reafirmando jurisprudência já consagrada nos Acórdãos n. os 658/06 e 20/10). 7. Não permitindo a regra em crise, na interpretação sub iudice , a oposição do devedor à declaração da insolvência, está evidentemente restringido o princípio do contraditório, por não permitir a prévia contesta- ção da declaração da insolvência. A insolvência é decretada sem que o devedor a ela possa opor-se, coartando- se o seu direito a influir na decisão judicial antes de esta ser tomada. Resta saber se a compressão ao contraditório pode ser constitucionalmente admissível, atendendo ao facto de a Constituição estabelecer no artigo 20.º uma preocupação com a celeridade da justiça e relevando a circunstância de a norma sub judice ter sido introduzida através de Lei da Assembleia da República (Lei n.º 16/2012, de 20 de abril), forma constitucionalmente adequada para restrição de direitos, liberdades e garantias. Ora, a questão da conformidade constitucional da norma em causa não mereceu resposta unívoca por parte da doutrina e da jurisprudência infraconstitucional. A bondade constitucional da norma foi sufragada por alguma doutrina e por certa jurisprudência infra- constitucional, entendendo estar suficientemente garantido o direito de defesa do devedor face à declaração de insolvência. A tese em causa assenta, essencialmente, na participação do devedor nos atos e diligências inerentes ao processo especial de revitalização (isto é, podendo expor as suas razões ao administrador judicial provisório) e no facto de não se impedir que o devedor se defenda depois da declaração de insolvência – seja mediante a dedução de embargos, por aplicação analógica dos artigos 40.º e 42.º do CIRE, seja interpondo recurso da decisão falimentar (neste sentido, o acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 10 de março de 2015 (proc. 5204/13.3TBLRA-C.C1) e, na doutrina, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Iuris, Lisboa, 2015, p. 174; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER – Processo Especial de Revitalização , Coimbra Editora, 2014, p. 166; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, Almedina, Coimbra, 2015, p. 77; Nuno Gundar da Cruz, Processo especial de revitalização – Estudo sobre os poderes do Juiz , Petrony, Lisboa, 2016, pp. 69 e 70); e João Aveiro Pereira, “A revitalização económica dos devedores”, O Direito , Ano 145, n.º I/II, p. 46, nota n.º 53). Em sentido oposto, sufragando a inconstitucionalidade da interpretação normativa sub iudice , se mani- festaram não apenas os arestos do Tribunal Constitucional que deram lugar aos presentes autos de genera lização como a doutrina e a jurisprudência infraconstitucional. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de novembro 2015 (proc. 801/14.2TBPBL-C. C1.S1), entendeu que a norma cerceia “a prévia possibilidade de contrariar os factos e as provas que a tal efeito podem conduzir. Sendo esta a interpretação que fazemos das ditas normas (e não conhecemos quem faça interpretação diferente), a sua inconstitucionalidade segundo tal interpretação afigura-se-nos incon- tornável”, o que conclui “suprimir nesta estruturação o núcleo essencial da garantia constitucional, sem oferecer uma alternativa que a reponha”, termos que foram replicados no acórdão do Tribunal da Relação
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