TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

1000 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (v) Nada no regime obsta, como se afirmou anteriormente, a que a prestação da caução seja feita no montante e pela forma que o Tribunal entender adequados, tomadas em devida consideração as particularidades do caso, as circunstâncias do impugnante e a função de garantia da caução. Ponderados os interesses públicos servidos pela medida e a compressão que implica do direito à presunção de inocência, não pode o Tribunal dar por demonstrada a violação do subprincípio da proporcionalidade. Impõe-se, pelo contrário, reconhecer que a solução legal sob escrutínio corresponde a uma ponderação razoável dos interesses pertinentes, cuja legitimidade se reconduz ao princípio democrático em que assenta a autoridade constitucional do legislador». Como se deixa antever no Acórdão acabado de transcrever, as considerações feitas a propósito dos efeitos da impugnação das decisões sancionatórias da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que aplicam coimas são plenamente aplicáveis à Autoridade da Concorrência, entidade independente com poderes de supervisão e sancionatórios, no âmbito da concorrência. Também neste caso é o intenso interesse público na eficácia das normas da concorrência que explica a preocupação do legislador em garantir a efetividade das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência. É claro que cumpre esse objetivo a regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial, nos termos da qual esta não obsta à execução da sanção, com a faculdade de se requerer o efeito suspensivo, verificados determinados pressupostos, ao acautelar o cum- primento das sanções pelas entidades sancionadas e dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Assim se reconhece no Acórdão n.º 376/16: «Considerando a natureza de «interesse público ou cole- tivo» dos bens jurídicos que o Direito da Concorrência pretende salvaguardar, com relevo constitucional e no quadro da União Europeia [artigos 81.º, alínea f ) , 99.º, n.º 1, alíneas a) e c) , da Constituição, e artigos 3.º, n.º 3 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), não se afigura injustificado ou desra- zoável a adoção, como regra geral, do efeito devolutivo da impugnação interposta das decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coimas. É uma medida normativa que garante maior eficácia às decisões sancionatórias, dissuadindo comportamentos processuais que, por infundados e dilatórios, comprometem a defesa efetiva desses valores». Em conclusão, o efeito consagrado no n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência não ofende os princí- pios da tutela jurisdicional efetiva e da presunção de inocência, em conjugação com o princípio da proibição do excesso. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência, aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, a qual determina que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima têm, em regra, efeito meramente devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição; b) Revogar o Acórdão n.º 445/18 proferido nestes autos; c) Julgar procedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pela Autoridade da Concorrência. Lisboa, 17 de dezembro de 2019. – Lino Rodrigues Ribeiro (Tem voto de vencida a Conselheira Clara Sottomayor que não assina por ter cessado funções.) – Pedro Machete – José Teles Pereira – Gonçalo Almeida Ribeiro – João Pedro Caupers – Maria José Rangel de Mesquita – Fernando Vaz Ventura – Mariana Canotilho

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