TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

1002 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dilatório, fins esses que, por seu lado se reconduzem aos interesses públicos associados à regulação eficaz dos mer- cados energéticos». 3. Em primeiro lugar, não vejo como possam, fundada e pertinentemente, invocar-se aqui os valores ou inte- resses pertinentes à regulação dos mercados energéticos. Nas palavras do acórdão «a premência das necessidades que satisfazem (os mercados regulados), [d]a relevância económica da atividade que neles se desenvolve e [d]a importância estratégica, no contexto nacional e europeu, da política que lhes diz respeito». Não se contesta natu- ralmente a eminência e a dignidade dos interesses que se jogam nos mercados energéticos e que o Estado regulador subjetiviza, erigindo-os à categoria de valores supra-individuais ou coletivos. Só que tal eminência encontra a sua sede de relevância, no plano material-substantivo, na hora de proclamar a sua dignidade e, consequentemente, a exigência da sua tutela. E, por vias disso e reflexamente, assinalar o grau de danosidade ou intolerabilidade da sua lesão. Tudo a projetar-se no grau de ilicitude e de culpa que se entenda atribuir às ofensas tidas como merecedoras de resposta contrafáctica. Mas que não devem ser convocadas em sede adjetiva-processual e, mais concretamente, em matéria de pre- sunção de inocência. Onde, de resto e se bem vejo, só podem jogar em sentido contrário ao que é assumido no acórdão. Precisamente no sentido do reforço do alcance e consistência do direito à presunção de inocência. Isto na medida em que maior dignidade dos valores – a implicar uma maior intolerabilidade das manifestações de danosidade, maior ilicitude e culpa e mais drásticas respostas sancionatórias – postula como reverso um reforço das garantias processuais. 4. E agora os interesses ou valores de índole processual, a começar pelo propósito de contrariar o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Uma finalidade em relação à qual a solução legal me parece claramente inidónea, se não mesmo contraindicada. Na verdade, a mobilização do recurso, mesmo com efeitos meramente devolutivos, pode ser – e muitas vezes será – preferível à alternativa de deixar consolidar a decisão condenatória. E será tanto mais assim quanto o recurso for motivado por propósitos dilatórios tendentes a pura dilação temporal, com vista nomeadamente à prescrição. Na verdade, a não atribuição de carácter suspensivo ao recurso significa, tão somente, que a entidade administrativa poderá, no imediato, executar a coima. Mas ainda que tal ocorra, o arguido ver-se-á reintegrado do correspondente montante no seu património na eventualidade de a responsabilidade contraorde- nacional vir ulteriormente a extinguir‑se em resultado do decurso dos prazos prescricionais. Assim, o arguido que almeje, puramente, a prescrição manterá um equivalente interesse na impugnação judicial, independentemente de o recurso interposto ter efeito devolutivo ou suspensivo. A possibilidade que o mesmo tem de dilatar o procedi- mento apresenta-se, para tal efeito, idêntica, não constituindo o efeito devolutivo um desencorajamento mínimo – contrariamente ao que sucede, por exemplo, com a consagração da reformatio in pejus – a tal atuação. Não sendo comprovadamente idónea, a solução legal está outrossim longe de se revelar necessária ou exigível. Porque a ordem jurídica dispõe para o efeito de meios seguramente mais eficazes, como acontece paradigmatica- mente com a admissão da reformatio in pejus , que o Regime Sancionatório dos Serviços Energéticos expressamente prevê e consagra. Em definitivo, uma medida inidónea – próxima do inócuo – e desnecessária, que tem como reverso uma compressão ostensiva do direito à presunção de inocência. Que atinge no seu núcleo irredutível e essencial. Com todo o lastro de consequências e de efeitos negativos, particularmente ao nível do estigma e da comunicação com os outros, que nunca serão integralmente neutralizadas. Mesmo em caso de desfecho favorável do recurso judicial 5. É também em sede de necessidade/exigibilidade que me parece falecer o suporte constitucional para justi- ficar a solução normativa, pensada para assegurar o efetivo pagamento das coimas. Logo à vista do universo dos destinatários privilegiados da norma: normalmente entes coletivos – por vezes mesmo entes coletivos de grande dimensão e robustez patrimonial – que não podem facilmente colocar-se fora do alcance dos procedimentos de execução e efetivação do pagamento. Depois e sobretudo, porque o sistema dispõe de outros mecanismos que permitem obviar a tal risco sempre que o mesmo se manifeste em face das circunstâncias do caso. Na verdade, medidas cautelares como a caução econó- mica figuram como meio igualmente idóneo para acautelar a satisfação da sanção e passíveis de serem mobilizadas numa dada situação. Com a indesmentível vantagem de a mesma figurar como meio claramente menos restritivo,

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