TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

1013 acórdão n.º 782/19 constitucional do critério normativo aplicado num dado processo exigirá, neste domínio, uma ponderação da realidade desvelada pela situação em análise. 2. Aderi à constatação de proporcionalidade dos valores em apreciação no Acórdão n.º 543/19 – que tratava, identicamente, de custas no Tribunal Arbitral do Desporto – por considerar ajustados os fatores ali invocados em matéria de «controle de evidência». Como se referiu naquela sede, tratava-se de i) grandezas cobradas no acesso a tribunal arbitral especializado, ii) sendo a recorrente uma sociedade anónima despor- tiva, iii) tratando o processo de diversas sanções disciplinares decorrentes de infrações cometidas em jogos de futebol profissional e a ostentar, como tal, alguma complexidade, iv) ascendendo o valor global das multas cumuladas – sem atentar, pois, à sanção complementarmente imposta de repreensão – a grandeza próxima a 4000 € e v) em que a recorrente obteve ganho parcial de causa. Foi a conjugação de tais elementos que justificou a conclusão de que as custas ali cobradas – e que se apresentavam de valor inferior aos benefícios potenciais da lide – não eram manifestamente desadequadas em matéria de acesso ao direito e aos tribunais. 3. Juízo que se afigura menos seguro no caso vertente. Em que estão em causa custas impostas a pessoas singu- lares levadas a aceder a um tribunal arbitral necessário para discutir uma pura impugnação de ato eleitoral. Autores que, por terem decaído no pedido, são os únicos responsáveis pela liquidação de custas no valor de 6014,70 € . E se é certo que esta grandeza se cifra em “apenas” 20 % do valor da ação, também é indiscutível que esta valoração de 30 000,01 € deriva de um puro critério legal por referência a interesses imateriais (artigo 303.º do Código de Processo Civil) e não, propriamente, de uma efetiva possibilidade de ganho ou perca de tal importância. Está em causa um quadro que, no meu entender, pode trazer à colação problemas de proporcionalidade mais intrincados do que aqueloutra dimensão em análise no Acórdão n.º 543/19. Na verdade, responsabilizar um normal cidadão pelo pagamento de 6014,70 € com vista a discutir temática «comum» – pois que o con- tencioso eleitoral não integra a tipologia de conhecimento especializado que se espera de um Tribunal Arbitral do Desporto – num processo em que o valor da ação deriva de uma ficção legal sem real correlação com os benefícios ou utilidades potenciais a retirar do litígio, encontra-se, pelo menos, nos limites da qualificação da «manifesta desadequação» passível de conduzir à contrariedade com a Constituição da República Portuguesa. 4. Sinto, assim, algumas reservas em relação à fundamentação do presente Acórdão. Que não cuida de formular um juízo de ponderação dos elementos postos em relevo e de, assim, concretizar um ajustado «controle de evidência». Mas antes alcança um juízo de solvabilidade constitucional ancorado numa simples contraposição entre “o valor da causa e o valor das custas determinado”. Efetivamente, o critério decisório mobilizado na orientação que fez vencimento esgota-se na constatação de que “o valor das custas só margi- nalmente ultrapassa um quinto do valor da causa”. Trata-se, no meu entender, de um crivo insuficiente. Tanto mais quando o mesmo se apoia na afirmação de um paralelismo com o balanceamento entre custas/valor da ação materializado no Acórdão n.º 543/19 sem atentar que este realizou o devido «controle de evidência» e, assim, tomou em expressão consideração as diversas especificidades do caso ali em discussão. Ao ponto de a conformidade constitucional ali constatada não poder ser mecanicamente transposta para os presentes autos. 5. São estas, em súmula, as razões que não me permitem acompanhar integralmente a fundamentação que fez vencimento. Sem por definitivamente em causa o juízo de constitucionalidade da dimensão norma- tiva em discussão nos autos permito-me sublinhar que essa conclusão sempre reclamaria uma ponderação mais profunda daquela que se acha materializada no presente Acórdão, com necessária consideração dos elementos referenciados. – Manuel da Costa Andrade. Anotação: Ver, neste Volume , o Acórdão n.º 543/19.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=