TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

1090 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O recurso tem por objeto a «decisão sobre a reclamação ou protesto» (n.º 2), devendo a petição especi- ficar «os fundamentos de facto e de direito do recurso e será acompanhada de todos os elementos de prova, incluindo fotocópia da ata da assembleia em que a irregularidade tiver ocorrido» (n.º 3). Por seu turno, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º da LEAR, “[a] votação em qualquer assembleia de voto e a votação em todo o círculo só são julgadas nulas quando se hajam verificado ilegalida- des que possam influir no resultado geral da eleição no círculo.” Dos preceitos legais citados decorre, assim, por um lado, que apenas podem ser apreciadas em recurso contencioso as irregularidades que hajam sido objeto de reclamação ou protesto apresentado no ato em que se hajam verificado, e, por outro lado, que uma votação apenas pode ser julgada nula no caso de as ilega- lidades verificadas – e objeto de reclamação ou protesto – possam influir no resultado geral da eleição (cfr. Acórdão n.º 535/15). Ora, no caso presente, o recorrente não imputa às operações eleitorais das assembleias de apuramento geral que funcionam junto das assembleias de recolha e contagem dos votos dos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro (artigo 106.º-J da LEAR) qualquer irregularidade ou ilegalidade. Pelo contrário, o recorrente aceita que o n.º 4 do artigo 98.º da LEAR qualifica como voto nulo o voto por via postal sempre que o enve- lope branco no interior do qual é introduzido o envelope verde, que contém o boletim de voto, não inclua fotocópia do cartão de cidadão ou do bilhete de identidade do cidadão eleitor, conforme imposto no n.º 6 do artigo 79.º-G da mesma Lei. Embora sem identificar qualquer lei de valor reforçado que pudesse servir de parâmetro ao pretendido juízo de sindicância, o que o recorrente, ainda assim, questiona é a «legalidade» da norma constante do n.º 4 do artigo 98.º da LEAR. De acordo com o recorrente, ao impor a contabilização como nulos dos votos que não cumpram as condições previstas no n.º 6 do artigo 79.º-A, a norma constante do n.º 4 do artigo 98.º da LEAR deverá ser considerada «ilegal, por violar o princípio da igualdade entre eleitores e o princípio da verdade eleitoral, pois em causa não está um verdadeiro voto nulo, mas um voto inexistente para a Adminis- tração Eleitoral». Mais concretamente ainda, considera o recorrente que, «tratando[-se] aqui de matéria sobre direito constitucional – atentos os princípios invocados da verdade eleitoral e da igualdade entre eleitores – deve ser o Tribunal Constitucional a clarificar o âmbito e os limites da norma do n.º. 4 do artigo 98.º, em articulação com o n.º 6 do artigo 79.º-G da Lei n.º 14/79, de 16 de maio, mandando corrigir o que for de Direito». Sucede que o recurso contencioso previsto no artigo 117.º da LEAR não contempla esse tipo de pre- tensão. 6. A competência do Tribunal Constitucional em matéria de contencioso eleitoral é de natureza deci- sória e não consultiva. É o que diretamente resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 223.º da Constituição, de acordo com a qual compete ao Tribunal Constitucional «julgar em última instância a regularidade e a validade dos atos de processo eleitoral, nos termos da lei». No âmbito da eleição dos Deputados à Assembleia da República, ao Tribunal Constitucional cabe, assim, a declaração do direito do caso quanto às irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apu- ramento geral e parcial, sempre que as mesmas hajam sido objeto de reclamação ou protesto e, no caso dos vícios atinentes à votação, for suscetível de influir no resultado geral da eleição no círculo. É essa a razão pela qual a LEAR não confere a qualquer interessado – partidos políticos ou coligações de partidos – a faculdade de provocar a intervenção do Tribunal Constitucional para interpretar os preceitos constantes da referida Lei, clarificar o seu sentido ou apreciar a respetiva legalidade ou constitucionalidade, a não ser se e na medida em que tal verificação releve para a resolução de um diferendo sobre a regularidade dos atos e operações que integram o processo eleitoral. Assim, se verdade é que o Tribunal Constitucional mantém, no âmbito do contencioso eleitoral, o poder-dever de apreciar incidentalmente as questões de constitucionalidade ou ilegalidade que possam

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=