TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

170 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9.2) –, podem comportar uma leitura mais ampla, por apelo a uma interpretação sistemática (e atualista), quando – como sucede com as medidas de acesso aos metadados em causa nos presentes autos –, estando em causa a salvaguarda de valores e objetivos fundamentais do Estado, como a segurança e a preservação da ordem constitucional (cfr. II, 9.2 do Acórdão), contra certos comportamentos especialmente graves suscetí- veis de os pôr em perigo e recondutíveis a tipos de ilícitos criminais graves [e que podem configurar crimina- lidade violenta ou altamente violenta – cfr. alíneas j) e l) do n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP)], essa salvaguarda possa implicar restrições ao âmbito de proteção de direitos fundamentais dos cidadãos e, assim, também do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações previsto no mesmo artigo 34.º. Por um lado, os valores e objetivos do Estado subjacentes à medida restritiva do direito fundamental em causa, constituem inequivocamente valores e objetivos essencialíssimos do Estado, que encontram respaldo no elenco das «Tarefas fundamentais do Estado» previstas, em especial, nas alíneas a) a c) do artigo 9.º da Constituição e reflexo no âmbito de proteção dos direitos fundamentais (cfr. artigo 27.º, n.º 1). Depois, e em particular, a relevante tarefa estadual de garantia do valor constitucional da segurança (seja interna, seja face ao exterior, seja coletiva, seja individual) – agregando, como se afirma no Acórdão, a dimensão positiva de um conjunto muito vasto de direitos fundamentais e interesses coletivos (cfr. II, 12.), não pode deixar de se entender hoje, no que concretamente ao fim de prevenção do «terrorismo» diz respeito, também à luz do disposto na Constituição em matéria de relações internacionais – concretamente na parte em que prevê que Portugal pode «convencionar o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção da união europeia», em particular no que ao «espaço de liberdade, segurança e justiça» (cfr. artigo 7.º, n.º 6, da Constituição, na redação introduzida em pela revisão constitucional de 1992 e resultante, em último lugar, da revisão constitucional de 2001), domínio material de atribuições da União que constitui domínio de competência partilhada com os Estados-Membros [cfr. artigo 4.º. n.º 2, alínea j) , do TFUE] e cujos objetivos abrangem a garantia de um elevado nível de segurança [no território da União e dos seus Estados-Membros] a prosseguir, nomeadamente através de medidas de prevenção da criminalidade e, se necessário, através da aproximação das legislações penais (cfr. artigo 67.º, n.º 3, e artigo 83.º, n. os 1 e 2, do TFUE) – consistindo o terrorismo um domínio de «criminalidade par- ticularmente grave com dimensão transfronteiriça» (cfr. artigo 83.º, n.º 1, do TFUE), sendo por isso neste contexto que se integra a mencionada Diretiva (UE) 2017/541, relativa à luta contra o terrorismo. Depois, sendo os fins do procedimento de acesso aos dados de tráfego (sempre na específica aceção da LO n.º 4/2017) pelos oficiais de informações do SIS e do SIED previsto no artigo 4.º da LO n.º 4/2017 – produção de informações necessárias à prevenção de espionagem e do terrorismo –, identificados por refe- rência a (dois, com a ressalva supra indicada quanto à previsão de punição dos atos e organizações terroristas resultante da transposição da referida Diretiva (UE) 2017/541) tipos de ilícito criminal graves, os mesmos fins – ainda que situados em momento temporal necessariamente prévio às fases preliminares do processo penal, incluindo a fase do inquérito (cfr. artigo 13.º da LO n.º 4/2017, entendendo-se a prevista intervenção do Procurador-Geral da República no procedimento de molde assegurar, sendo caso disso, o exercício das competências próprias do Ministério Público, em especial o exercício da ação penal e a defesa da legalidade – cfr. artigos 219.º, n.º 1, e 220.º, n.º 2, da Constituição) – se afiguram ainda valorativamente próximos, senão equivalentes, aos fins («matéria de processo criminal») legitimadores da intervenção restritiva pelo legislador previstos expressamente na parte final daquele n.º 4 do artigo 34.º da Constituição (sem que exista neste caso uma ‘simples’ devolução ao legislador da tarefa de fixação dos casos em que tal restrição possa ocorrer, ie, uma autorização explícita do legislador constituinte ao legislador ordinário para legislar sobre os casos de restrição dos direitos fundamentais em causa, sem fixação por aquele do critério a observar pela intervenção deste último, como sucede, v. g. , no artigo 35.º, n.º 4, da Constituição, quanto ao direito à autodetermina- ção informativa e à proteção de dados pessoais, também tido como parâmetro constitucional relevante para a análise da conformidade constitucional das normas sindicadas) – i. e. , aos fins que legitimam a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação.

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