TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

171 acórdão n.º 464/19 Em suma, mesmo sem admitir à partida uma leitura da Lei Fundamental que permita, em cada momento temporal, ‘novas’ ponderações pelo legislador ordinário de eventuais colisões entre valores essen- ciais da comunidade estadual constitucionalmente protegidos (a prosseguir em cada momento face a novos fenómenos ou situações suscetíveis de os pôr em perigo) e direitos fundamentais – e sempre na condição ou no pressuposto de ainda se tratar da proteção de valores nucleares do Estado (como a independência, a soberania nacional, a defesa da ordem constitucional e a segurança, interna e externa) e da qual depende, necessariamente, a proteção de outros tantos valores essenciais do Estado ( maxime a proteção de direitos, liberdades e garantias) – não pode deixar de se admitir, pelo menos, que a concreta ponderação efetuada pelo legislador constituinte ao fixar como critério de atuação do legislador ordinário a matéria de processo criminal admite uma leitura mais abrangente de molde a acomodar nesse critério (que delimita o âmbito das restrições à garantia da inviolabilidade das comunicações) medidas, como a prevista na norma sindicada nos autos, que ainda apresentem identidade valorativa ou axiológica por referência ao mesmo processo criminal, incluindo as suas fases preliminares, que de igual modo se destinem a proteger os referidos valores nucleares da comunidade estadual. A axiologia subjacente à Lei Fundamental e as tarefas por esta cometida ao Estado não podem deixar de convocar uma leitura mais ampla do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição admitindo que fiquem ainda abrangidas na sua letra as medidas de acesso previstas na norma sindicada. Note-se, aliás que a ordem jurídico-constitucional não afasta a hipótese de adoção, mediante autoriza- ção judicial, de medidas de acesso a conversações ou comunicações telefónicas ou por qualquer meio técnico diferente do telefone (similares às medidas de acesso em causa mas porventura mais gravosas na medida em que possam incidir sobre o conteúdo das comunicações, o que a LO n.º 4/2017 não contempla), lesivas de certos direitos fundamentais durante a fase preliminar do inquérito, mesmo sem que ocorra a constituição de arguido (cfr. artigos 187.º, n.º 1, 189.º e 58.º, do CPP)[registe-se também a similitude de formulação entre a redação do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e, quanto aos limites temporais das medidas de acesso, da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º e a redação dos n. os 1 e 6 do artigo 187.º do CPP]), pelo que a aludida projeção da reserva de processo criminal acolhida pela maioria sobre a esfera jurídica da pessoa, em particular quando consti- tuída arguida (cfr. II, 9.1), não é sequer certa, já que tal ocorrência pode não se verificar. E note-se também que a ordem jurídico-constitucional não afasta a hipótese de obtenção de dados sobre a localização celular pelas autoridades judiciárias e de polícia criminal, mesmo quando não se referirem a nenhum processo em curso, nos termos previstos no artigo 252.º-A, n. os 1 e 3, do CPP, mas cuja obtenção deve ser comunicada a um juiz. Ora, em qualquer caso, é exatamente a configuração do procedimento de autorização previsto na LO n.º 47/2017 – por órgão integrado na organização judiciária (e no seu nível superior) – e a natureza e estatuto dos seus membros (magistrados judiciais independentes), aliados aos contornos do procedimento autorizativo e ao controlo (judicial) do mesmo, prévio e durante o tratamento dos dados, que permitem ainda assegurar, de forma não desproporcionada, os direitos dos visados numa fase em que, por força das especificidades próprias do domínio em causa (produção de informações com vista à prevenção de atos que constituem tipos de ilícito criminal graves e criminalidade organizada) a participação dos mesmos é neces- sariamente, sob pena da frustração de tal fim, ainda excluída. 8. Concluindo-se, diversamente da maioria, que o artigo 4.º da LO n.º 4/2017 não viola o n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, também no que respeita aos demais parâmetros constitucionais convocados (artigo 35.º, n. os 1 e 4, e artigo 26.º da Constituição) alcançamos conclusão diversa da maioria. Entende-se que a medida de acesso a dados de tráfego [com o específico sentido fixado pela mesma Lei na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º] prevista na norma do artigo 4.º, restritiva de direitos fundamentais, tal como articulada, não apenas com as condições de admissibilidade previstas no artigo 6.º da LO n.º 4/2017 [como considerado pela maioria, mas sem levar em conta os demais preceitos que se reportam igualmente ao procedimento de autorização do pedido de acesso – seja à apreciação da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida (artigo 10.º, n. os 1 e 3), seja à própria noção de «medida pontual de acesso» a autorizar (artigo 9.º,

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