TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Três notas se afiguram ainda pertinentes, em particular, quanto à argumentação da maioria no que respeita à desconformidade do artigo 4.º da LO n.º 4/2017 com a Constituição. Em primeiro lugar, entende-se não proceder a argumentação da maioria quando ancora o juízo de pro- porcionalidade e a sua violação na falta de previsão na lei de comunicação ao visado das medidas restritivas adotadas ou seja, insuficiência dos meios de reação dos cidadãos contra o acesso aos seus dados – que, por um lado, se encontra expressamente excecionada pelo Direito da União no caso de o direito à informação sobre a limitação poder prejudicar o objetivo da limitação [artigo 23.º, n.º 2, alínea h) , parte final, do RGPD supra referido] – o que se entende suceder no acesso aos dados em causa ; e, por outro, não integra o enunciado da fórmula decisória adotada pelo TJUE no acórdão proferido, em sede de questão prejudicial de interpretação, no caso Tele 2/Watson [citada em II, 6., b) do Acórdão]. Em segundo lugar, a aplicação, pela maioria que fez vencimento, de uma exigência similar ou equiva- lente à aplicada no domínio do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, fora da esfera de proteção desta norma, resulta afinal, num idêntica proibição de atuação por parte do legislador ordinário – que parece redundar na limitação da autorização que constitucionalmente lhe é conferida para restringir o conteúdo dos direitos fundamentais tutelados por outras disposições constitucionais também em causa, para além da sujeição ao regime de restrição dos direitos, liberdades e garantias consagrado no artigo 18.º, em especial, n.º 2, da Cons- tituição. Ora, na leitura ‘equivalente’ da maioria quanto à exigência do controlo de conformidade constitu- cional aplicada aos artigos 26.º e 35.º da Constituição, parece resultar, inclusive, mesmo em caso de (futura e eventual) diversa ponderação do legislador de revisão constitucional no que ao direito à inviolabilidade das comunicações diz respeito e à matéria que possa justificar a sua eventual restrição, a impossibilidade ou a extrema dificuldade de o legislador exercer a sua margem de apreciação na concretização do mandato cons- titucional em matéria de restrições de modo a abranger restrições aos direitos em causa justificadas, em pon- deração, pelos fins previstos nas normas da LO n.º 4/207 ora sindicadas. Isto já que apenas as parece admitir nos (muito) restritos termos e condições previstos no Acórdão, nomeadamente afirmando que o princípio da proporcionalidade «impõe que o Estado invoque uma situação de perigo previsível, concreta e de verificação altamente provável justificando os juízos de prognose através da identificação normativa da situação fáctica que está na origem do perigo, a possibilidade de ocorrência de eventos lesivos num prazo próximo e a relação da situação de perigo com pessoas determinadas» (cfr. II, 11, 11.2.4, em especial pp. 65-66) e a previsão de atos e procedimentos que permitam o conhecimento e a cognoscibilidade da intromissão pelos interessados e a reação contra as medidas restritivas (cfr. II, 11, 11.2.4, em especial pp. 65-66). Em terceiro e último lugar, a fundamentação do Acórdão assenta em grande parte num cotejo entre a atividade do SIRP (e do SIS e SIED) e o domínio do processo e da investigação criminal (e da atividade de polícia) – para concluir que o sistema de acesso a dados consagrado pela LO n.º 4/2017 não o aproxima ou equipara, de todo, formal e materialmente, do processo penal (cfr. II, 11., 11.1.3) assim não justificando uma mudança quanto ao juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 403/15. Todavia, tal cotejo afigura-se em parte menos adequado já que, pese embora eventuais pontos de contacto, nomeada- mente quanto à participação de ambos na prossecução do objetivo de garantir a segurança interna no qua- dro do Estado e no exercício de funções de segurança interna (cfr. artigo 25.º, n.º 1 e 2, da já citada LSI), é incontornável a diferenciação das funções próprias cometidas ao SIRP e, no seu quadro, especificamente ao SIS e ao SIED (já acima mencionadas, cfr. artigos 20.º e 21.º da Lei-Quadro do SIRP) e aos órgãos de polícia com competência do domínio criminal (cfr. em especial artigos 1.º, 3.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 49/2008, de 27/8; artigo 3.º da Lei n.º 53/2007, de 31/8; e artigos 2.º e 5.º da Lei n.º 37/2008, de 6/8). Ora, daquele cotejo parece resultar da fundamentação do acórdão uma aplicação do princípio da proibição do excesso segundo um figurino (próprio do contexto de investigação, perseguição e punição de crimes) pelo menos em parte estranho à especificidade própria do domínio de atribuições e competência dos serviços de informação previstos na lei do SIRP – o SIS e o SIED (cfr. artigos 21.º e 20.º, respetivamente, da Lei-Quadro do SIRP).

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