TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

181 acórdão n.º 774/19 contratual com a designação para administrador na primeira parte do n.º 2 do artigo 398.º CSC, ao determinar a suspensão dos contratos celebrados há mais de um ano, pelo que, necessariamente, o legislador introduziu uma causa de caducidade distinta da “impossibilidade superveniente”; ademais, só por analogia se pode mobilizar o regime fiscalizado a outros tipos sociais, atestando não existir uma impossibilidade definitiva de conservação do vínculo laboral; em segundo lugar, ao tempo em que o ordenamento jurídico não continha normas sobre a designação de trabalhador para a administração de uma sociedade anónima, a jurisprudência infraconstitucional concluía pela subsistência do con- trato de trabalho pelo que, se a suspensão dos contratos de trabalho em curso – ainda que sem norma positivada – era uma resposta dada pelo sistema jurídico, a regra ora em crise materializou uma novi- dade do Código das Sociedades Comerciais; parece claro que o legislador interveio inovatoriamente para erradicar uma prática que, ao tempo da aprovação da norma, se vinha verificando ser permitida, tanto bastando para concluir, que a norma fiscalizada introduziu uma nova causa de caducidade do contrato, que não se confunde com a impossibilidade definitiva de prestação laboral. VIII - Também não procede a segunda linha argumentativa – que sustenta que a norma fiscalizada é material- mente comercial, razão pela qual a afetação do contrato de trabalho é meramente reflexa ou mediata, ficando fora do âmbito de legislação do trabalho; desde logo, tendo o legislador intervindo no regime do contrato de trabalho (estatuindo uma causa de caducidade), ainda que com um escopo marcada- mente societário, porque na regulação do contrato de trabalho se encontra o regime da extinção do contrato – enquanto matéria essencial da sua disciplina – o efeito jurídico da norma em crise afeta diretamente a relação individual de trabalho; a norma em crise não se limita a ter como destinatários os trabalhadores introduzindo, ao invés, uma causa de extinção da relação jurídico-laboral, o que é tido, justamente, como uma das matérias que dizem diretamente respeito ao estatuto jurídico-laboral; ainda que assim não fosse, a sua qualificação como legislação de trabalho ainda poderia aceitar-se por força do segundo critério – as normas que regulam os direitos fundamentais dos trabalhadores constitucionalmente consagrados -, na verdade, a estatuição de uma causa de extinção do contrato de trabalho liga-se ao direito fundamental à segurança no emprego, garantido pelo artigo 53.º da Consti- tuição, não de forma reflexa ou mediata, mas diretamente, disciplinando as circunstâncias de extinção do contrato de trabalho. IX - Nessa medida – e independentemente da sua compatibilidade material com a Constituição –, a regra fiscalizada poderia ainda estar abrangida pelo conceito jurídico-constitucional de legislação do traba- lho, sujeitando-se por isso ao respetivo procedimento legislativo; em suma, uma norma que introduz uma causa de extinção do contrato de trabalho não pode deixar de considerar-se como específica, direta e materialmente laboral, para efeitos do direito de participação das organizações representativas dos trabalhadores. X - No que concerne à concretização do direito de participação, perante uma norma qualificada como legis- lação do trabalho, importa saber se aquela audição teve lugar; não constando do preâmbulo do Decreto- -Lei n.º 262/86, de 2 de setembro (que aprova do Código das Sociedades Comerciais), qualquer referên- cia à audição prévia das organizações representativas dos trabalhadores, caberia ao autor da norma ilidir a presunção; tendo o Primeiro-Ministro, apesar de notificado, simplesmente oferecido o merecimento dos autos, não se pode ter por afastada tal presunção, devendo considerar-se preterida aquela obrigação constitucional, inquinando a norma de um vício de natureza formal; mesmo muitos anos depois da aprovação das regras sob fiscalização, não pode o Tribunal Constitucional, em face do ordenamento jurí- dico vigente, recusar-se a fiscalizar o cumprimento dos trâmites procedimentais de formação normativa.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=