TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

186 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Sociedades Comerciais – exercício de outras actividades por administrador de sociedade anónima”, in O Direito , ano 125, n.º III-IV, 1993, p. 263). Aliás, o propósito de evitar um aproveitamento da sociedade será igualmente a ratio legis da última parte da norma do n.º 1 do artigo 398.º, dedicado à situação paralela, mas inversa, de um administrador celebrar com a sociedade um contrato de trabalho para depois da cessação de funções como administrador: com vista a proteger a sociedade de uma conduta fraudulenta, proíbe-se a celebração do contrato, procurando impedir “aproveitamento do cargo de administrador para garantir o seu futuro à custa da sociedade administrada” (Coutinho de Abreu, Administradores e trabalhadores… , cit. , p. 20). Na síntese do acórdão do STJ de 25 de novembro de 2014, proc. 284/11.9TTTVD.L1.S1, “o n.º 2 do artigo 398.º do CSC estabelece a extinção do contrato por a escassa duração do vínculo fazer avolumar o receio de fraude. Embora a situação se não reconduza à contemplada no artigo 398.º, n.º 1, in fine – em que o Administrador utiliza o cargo para obter um vínculo com a sociedade quando cessar funções – existe uma grande afinidade entre elas. É lícito, razoavelmente, temer que o Administrador tenha condicionado a aceitação da designação à obtenção de um vínculo que, apesar de anterior – ao menos formalmente – ao exercício do cargo, se projecta sobretudo no futuro, uma vez cessada a Administração. A questão com que se defronta em tais casos o ordenamento reside justamente em evitar celebrações de contratos temporalmente próximos da designação e presumivelmente fraudulentos, para conseguir a manutenção, após a cessação do cargo de Administrador, de um vínculo remunerado com a sociedade”. Em suma, o legislador presume iuris et de iure que a celebração de um contrato de trabalho em data próxima da designação como administrador constitui conduta fraudulenta, cujo escopo será o de acautelar a posição profissional futura do titular, a expensas da sociedade (Raúl Ventura, “Nota sobre o desempenho doutras funções por administrador de sociedade anónima”, in Novos Estudos sobre sociedades anónimas e socie- dades em nome colectivo, Almedina, Coimbra, 1994, p. 193; Engrácia Antunes, cit. , p. 27). Sendo certo que a regra tem natureza imperativa, não relevando que os acionistas hajam manifestado o propósito de manu- tenção do vínculo contratual (cfr. acórdãos do STJ de 11 de fevereiro de 2004, proc. 03S4053, e de 23 de outubro de 2013, proc. 70/11.6TTLSB.L1.S1, de 25 de novembro de 2014, proc. 284/11.9TTTVD.L1.S1, e de 17 de novembro de 2016, proc. 394/10.0TTTVD.L1.S1; Raúl Ventura, Nota sobre a interpretação… , cit., p. 263). No contexto do direito ordinário, a bondade solução vem sendo questionada. Por um lado, duvida-se da necessidade da sua previsão, uma vez que as regras gerais da invalidade do contrato de trabalho bastariam para acautelar a eventualidade de aproveitamento ilícito da sociedade; por outro, alega-se que esta caduci- dade pode também ser utilizada fraudulentamente, pois admite a designação de certo trabalhador como administrador justamente para fazer cessar a relação laboral fora dos casos legalmente previstos (Coutinho de Abreu, Governação…, cit. , p. 67; Ricardo Costa, cit. , p. 808; Luís Brito Correia, Os Administradores… , cit. , p. 590). 6.3. Quanto ao âmbito de aplicação da norma fiscalizada, subsiste alguma controvérsia. Certa doutrina vem propondo uma interpretação restritiva, sufragando não dever a regra mobilizar-se quando, em sociedades em relação de domínio ou de grupo, o trabalhador da sociedade dominante seja designado administrador da sociedade dominada – Coutinho de Abreu, “Administradores e trabalhado- res…”, cit ., p. 18, e Governação…, cit. , p. 68; Raul Ventura, Nota sobre o desempenho… , cit. , p. 194; Júlio Gomes, Da validade… , cit ., p. 453; Maria do Rosário Palma Ramalho, Grupos Empresariais e Societários – Incidências Laborais , Almedina, Coimbra, 2008, p. 526). Por outro lado, é debatida a sua aplicação analógica a outros tipos sociais – maxime a gerentes de socie- dades por quotas. Alguns Autores sufragam dever ser mobilizada no contexto das sociedades por quotas (Paulo de Tarso Domingues, cit., p, 22); outros propõem a sua extensão analógica apenas quanto ao seg- mento normativo em que se estabelece a suspensão contratual (Ilídio Duarte Rodrigues, cit., p. 314); outra

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