TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

189 acórdão n.º 774/19 vício procedimental tem por referência, salvo eventuais casos excecionais, as normas constitucionais vigen- tes à data da edição da norma, em face do princípio tempus regit actum – “O princípio tempus regit actum leva a distinguir dois efeitos no tempo: a aprovação da norma rege-se pela lei constitucional vigente nesse momento; a aplicação da mesma norma tem de respeitar os princípios e normas constitucionais vigentes no momento em que se efectiva essa mesma aplicação”. (Gomes Canotilho, cit. p. 1307; no mesmo sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , Tomo VI, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 37; Rui Medeiros, “Valores jurídicos negativos da lei inconstitucional”, in O Direito , Ano 121-III, 1989, p. 517; Luis Maria Díez-Picaso, “Consideraciones en torno a la inconstitucionalidad sobrevenida de las normas sobre la producción jurídica y a la admisibilidad de la cuestión de inconstitucionalidad”, in Revista Española de Derecho Constitucional , n.º 13, 1985). Em aplicação desta conceção, o Tribunal Constitucional vem fiscalizando o respeito pelo direito de par- ticipação das organizações representativas dos trabalhadores na aprovação da legislação do trabalho por refe- rência ao texto constitucional em vigor à data em que as normas foram dimanadas – cfr. Acórdãos n. os  31/84, 451/87, 355/91, 446/91, 24/92, 93/92, 477/98, 517/98 e 634/98). O direito de participação na elaboração da legislação do trabalho materializa uma das “formas de exer- cício da soberania popular que transcendem os clássicos direitos de votar, de eleger e de ser eleito” (Maria Lúcia Amaral, “Grupos de interesse”, in Nos dez anos da Constituição , 1986, p. 83), enquanto manifestação de um princípio de democracia participativa (Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo , Universidade Católica Editora, 1995, p. 342). Trata-se de uma disposição inédita no direito constitucional comparado, ao “consignar uma limitação formal e procedimental do poder legislativo no ouvir obrigatório na matéria das organizações representativas dos trabalhadores” (Bernardo Lobo Xavier, “A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito do trabalho”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucio- nal Portuguesa , Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 232). Isto é, a Constituição prevê um condicionamento ao exercício da competência legiferante dos órgãos legislativos mediante a estatuição de um “direito de pressão legítima – que os órgãos não poderão deixar de reconhecer” (Francisco Lucas Pires, “Direito das comissões de trabalhadores de participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respectivo sector”, in Estudos sobre a Constituição , 1977, p. 378), dirigido à “autodefesa dos interesses dos trabalhadores” (João Caupers, Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição , Almedina, Coimbra, 1985, p. 136). A isto acresce que, independentemente da questão de saber se constitui um direito fundamental em sentido próprio ou somente matéria de direitos fundamentais, faltando um radical subjectivo individual (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 5.ª edição, 2016, p. 90), o Tribunal Constitucional vem determinando que a sua previsão no Título II da Constituição importa, nos termos do artigo 17.º, a mobilização do regime dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando assim de aplicabilidade direta independentemente de o legislador ordinário não haver consagrado adequadamente o modo da sua participação – Acórdãos n. os 31/84, 451/87 e 218/89; Rui Medeiros, “Anotação ao artigo 56.º”, in Constituição Portuguesa Anotada , org. por Jorge Miranda e Rui Medeiros, vol. I, 2.ª edição, Coimbra Edi- tora, Coimbra, 2012, p. 1105; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição , Almedina, Coimbra, 1991, p. 194; Pedro Machete, cit. , p. 356, nota n.º 751. A mobilização deste instituto jurídico-constitucional suscita, para além da sua natureza jurídica, três problemas jurídicos (cfr. Pedro Machete, cit. , p. 356), a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem respondendo: a definição do conceito de legislação do trabalho (i), a concretização constitucionalmente adequada do direito de participação (ii) e os efeitos jurídicos da sua eventual preterição (iii). 8.1. Uma vez que a Constituição não define “legislação do trabalho”, necessário se torna determinar o respetivo âmbito de aplicação. É certo que o legislador ordinário veio fornecer uma noção, para efeitos de regulação do direito de participação (Lei n.º 16/79, de 26 de maio; bem como o Código do Trabalho de 2003 e o Código do Trabalho de 2009), mas a concretização operada pela lei não determina o regime

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