TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

191 acórdão n.º 774/19 doutrina concorda que pelo menos a regulação do contrato de trabalho (i) e a disciplina dos direitos funda- mentais dos trabalhadores (ii) estão necessariamente abrangidos pelo conceito de legislação do trabalho – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição…, cit. , p. 724; Jorge Miranda, Funções…, cit. , p. 413; Rui Medeiros, “Anotação ao artigo 56.º”, cit. , p. 1112; Barbosa de Melo, “Discussão Pública pelas Organizações de Trabalhadores de Leis de Autorização Legislativa”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais , Ano XXXI, n.º 3/4, p. 538; José Manuel Meirim, “A participação das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho”, in Revista do Ministério Público , n.º 52, pp. 11 e 15. Todavia, a jurisprudência constitucional vem restringindo o direito de participação às normas que res- peitem «directamente a regulamentação e efectivação de todos os direitos fundamentais reconhecidos aos tra- balhadores na Constituição, mas não já as normas que apenas tutelam indirecta e reflexamente esses direitos» (Acórdão n.º 119/99). Por essa razão, excluem-se do conceito de legislação do trabalho as regras que apenas tenham uma repercussão indireta ou reflexa naquela matéria: será o caso das contraordenações em que incorre o empregador por violação de regras laborais (Acórdão n.º 201/90), das normas relativas à cisão das socieda- des empregadora, com consequente alteração de identidade do empregador (Acórdão n.º 119/99), das nor- mas de processo do trabalho sobre o valor da ação de impugnação do despedimento (Acórdão n.º 155/92), das leis de amnistia a infrações disciplinares em empresas públicas (Acórdão n.º 152/93) ou das regras sobre a fixação da base de cálculo das pensões de reforma (Acórdão n.º 173/01). Ademais, o Tribunal vem estabelecendo ser a participação das organizações representativas dos trabalha- dores obrigatória apenas quanto a normas inovadoras, mas já não quanto a regras que deixem inalterado o estatuto dos trabalhadores (cfr. Acórdãos n. os 157/88, 430/93, 229/94, 259/01, 167/03 e 104/04). 8.2. Em face deste conceito, a maioria da doutrina tomou posição sobre a qualificação do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, na parte que estabelece a caducidade dos contratos de trabalho celebrados há menos de um ano, como “legislação do trabalho”, secundando os julgamentos de inconstitucionalidade por violação do direito de participação das organizações de representação dos trabalhadores. Foi o caso de Coutinho de Abreu ( Administradores e trabalhadores…, cit. , p. 16, e Governação… , cit. , p. 67 – «a norma do n.º 2 do artigo 398.º, na parte agora em questão, é (formalmente) inconstitucional, por ofensa dos preceitos da CRP que garantem aos organismos representativos dos trabalhadores o direito de par- ticipar na elaboração da legislação do trabalho»), Pedro Romano Martinez ( Direito do Trabalho , 8.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 344 – «O artigo 398.º n.º 2, do CSC, na parte em que considera que contrato de trabalho se extingue se tiver durado menos de um ano, é inconstitucional, por não terem intervindo os organismos representativos dos trabalhadores na elaboração do preceito»), Paulo de Tarso Domingues ( cit. , p. 21 – «apesar de a norma estar sistematicamente localizada num diploma de natureza societária e a propó- sito do regime legal aplicável aos administradores, ela nada estatui quanto à relação de administração. Com efeito, esta norma regula a sorte da relação laboral do trabalhador que assume o cargo de administrador; a sua estatuição incide sobre a relação laboral [suspendendo-a ou extinguindo-a] e não sobre a relação de adminis- tração. Donde, aquela norma não pode deixar de ser materialmente considerada como uma norma de direito do trabalho») e Maria do Rosário Palma Ramalho ( Grupos…, cit. , p. 525, nota n.º 947, considerando ser acertado o julgamento de constitucionalidade “uma vez que está em causa a criação de uma nova forma de cessação do contrato de trabalho, o que faz deste comando uma norma de conteúdo materialmente laboral”). Na verdade, aplicando à norma os critérios que o Tribunal Constitucional estabeleceu de forma reiterada e uniforme, o estabelecimento de uma causa de caducidade do contrato de trabalho qualifica-se como “legis- lação do trabalho”: por um lado, tendo em conta que é caracterizada como legislação do trabalho a disciplina relativa aos direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na Constituição, a previsão de uma causa de caducidade do contrato liga-se diretamente ao direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição. Por outro lado, e ainda que assim não fosse, a regulação do contrato de trabalho está abran- gida pelo conceito constitucional (Acórdãos n. os 345/96 e 178/97). Nesta disciplina compreende-se, pois, o

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