TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

193 acórdão n.º 774/19 jurídico dos trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Acórdão n.º 229/94) e as normas sobre a fixação da base de cálculo das pensões de reforma (Acórdão n.º 173/01). Por fim, invoca ainda Engrácia Antunes que a interpretação contrária (que o Tribunal Constitucional seguiu nos três arestos de fiscalização concreta que motivaram os presentes autos) sempre implicaria a incons- titucionalidade de todas as normas do CSC que se referem a trabalhadores, como as que impõem à admi- nistração o dever de ponderar os interesses dos trabalhadores [artigo 64.º, n.º 1, alínea b) ], que preveem o direito dos trabalhadores a consultar o projeto de fusão societária (artigo 101.º, n.º 1), que determinam que um projeto de cisão se refira à atribuição da posição contratual da sociedade decorrente dos contratos de tra- balho celebrados com os seus trabalhadores (artigo 119.º) ou que permite a redução judicial da remuneração dos sócios gerentes quando seja gravemente desproporcionada (artigo 255.º) – cit. , pp. 82 e 100 e seguintes. Ademais, sustenta o Autor que a teoria dos limites imanentes sempre permitiria considerar excluído o direito de participação no que concerne a normas materialmente comerciais (ou, pelo menos, a sua restrição, nos termos gerais) – cit., p. 107. Ainda que a maioria da jurisprudência haja recusado aplicar a norma em crise depois dos julgamen- tos de inconstitucionalidade (cfr. acórdão da Relação de Guimarães de 16 de fevereiro de 2007, proc. 2443/16.9T8VNF.G1), a orientação ora exposta tem algum respaldo jurisprudencial, tendo sido seguida pelo STJ no acórdão de 13 de dezembro de 2006 (“não obstante a jurisprudência conhecida do Tribunal Constitucional, não vislumbramos que a norma em apreço, no segmento que determina, nos termos sobre- ditos, a extinção do contrato de trabalho, viole a Constituição da República Portuguesa, designadamente os seus artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a) , pois não está aqui em causa a criação de qualquer novo regime jurídico laboral ou de qualquer legislação laboral que venha regular as relações laborais, mas tão só matéria importante do foro comercial com reflexos no contrato de trabalho”), e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 29 de janeiro de 2014 (“a previsão do n.º 2 do artigo 398.º do CSC visa disciplinar as sociedades, não na área laboral, mas sim na sua vida societária pois pretende uma especificação à regu- lação da administração dessa mesma sociedade, não estando em causa qualquer tipo de direitos ou deveres de trabalhadores, nem desenvolvendo o regime do contrato de trabalho, inclusive a sua cessão, razão pela qual esta norma nunca foi incluída no Código do Trabalho, trata-se antes de uma norma própria do Código das Sociedades Comerciais, constituindo uma norma especial para uma situação especial, não ofendendo nenhuma disposição ou princípio constitucional”). Importa tomar posição sobre o problema. 8.4. Quanto à primeira conceção (segundo a qual a norma em crise não reveste carácter inovador, por ser mera repetição da caducidade por impossibilidade), a argumentação não colhe. Em primeiro lugar, repare-se que o ordenamento jurídico prevê expressamente a viabilidade de manu- tenção do vínculo contratual com a designação para administrador na primeira parte do n.º 2 do artigo 398.º CSC, ao determinar a suspensão dos contratos celebrados há mais de um ano. Ora, se o ordenamento jurídico autoriza a conservação do vínculo laboral, está afastada a tese de que seria definitivamente impossível a sua subsistência, faltando assim um dos requisitos do regime geral de caducidade do contrato de trabalho. Pelo que, necessariamente, o legislador introduziu uma causa de caducidade distinta da “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber” [artigo 343.º, alínea b) , do Código de Trabalho]. Ademais, “a entender-se que [a] mencionada proibição expressaria a incompatibilidade entre a natu- reza da prestação do administrador e a de trabalhador subordinado, ela teria de abranger os cargos diretivos noutros tipos societários, maxime , os gerentes das sociedades por quotas, porquanto não existem diferenças estruturais entre aqueles cargos” (Luís Miguel Monteiro, “Anotação ao artigo 161.º”, in Código do Trabalho Anotado , org. por Pedro Romano Martinez, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 424). Ora, como se viu, só por analogia (que é doutrinalmente debatida) se pode mobilizar o regime fiscalizado a tais tipos sociais, atestando não existir uma impossibilidade definitiva de conservação do vínculo laboral.

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