TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

194 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em segundo lugar, não pode olvidar-se que, ao tempo em que o ordenamento jurídico não continha nor- mas sobre a designação de trabalhador para a administração de uma sociedade anónima, a jurisprudência infra- constitucional concluía pela subsistência do contrato de trabalho. A positivação da extinção dos contratos de trabalho por força da designação como administrador – indiscutivelmente uma inovação do legislador de 1987 (cfr. José Engrácia Antunes, cit. , pp. 11 e 39) – significou, por isso, a introdução ex novo daquele efeito jurídico. Efetivamente, até essa data a doutrina e a jurisprudência oscilavam entre a manutenção da plena eficácia do contrato de trabalho (Inocêncio Galvão Telles, “Anotação ao Acórdão do STJ de 21 de abril de 1972”, O Direito , Ano 104, 1972, p. 338; acórdãos do STJ de 4 de fevereiro de 1972, in Boletim do Ministério da Justiça , n.º 214, 1972, p. 103), a suspensão automática do contrato de trabalho (acórdão do STA de 18 de janeiro de 1972, Acórdãos Doutrinais do STA , n.º 124, p. 535; acórdão do STJ de 7 de fevereiro de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça , n.º 354, 1986, pp. 385 e 387; e acórdão do STJ de 22 de outubro de 1997, publicado in Colectânea da Jurisprudência – Supremo Tribunal de Justiça , Ano V, Tomo III, 1997, p. 271) ou a ponderação da viabilidade de manutenção da eficácia do vínculo laboral ou sua suspensão, por atenção às funções desempenhadas (Luís Brito Correia, Os Administradores…, cit., p. 588). Não se conhece qualquer decisão que houvesse concluído pela sua cessação, mesmo quando se concluía pela regra da incom- patibilidade (cfr. acórdãos do STJ de 15 de outubro de 1980, in Boletim do Ministério da Justiça , n.º 300, 1980, p. 229, e de 16 de dezembro de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça , n.º 332, 1984, p. 420). O que é tanto mais relevante se se recordar que o regime de cessação do contrato de trabalho vigente até 1987 (Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de julho, com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n° 84/76, de 28 de Janeiro, e n.º 841-C/76, de 7 de dezembro, e pela Lei n.° 48/77, de 1 de novembro) já previa a causa de caducidade por impossibilidade ora consagrada no Código do Trabalho [artigo 8.º, n.º 1, alínea b) ] sem que isso houvesse motivado a extinção de contratos de trabalho por efeito da designação de certo trabalhador como administrador. Isto é, se a suspensão dos contratos de trabalho em curso – ainda que sem norma positivada – era uma resposta dada pelo sistema jurídico (quer aqueles houvessem sido celebrados há mais ou menos de um ano), a regra ora em crise materializou uma novidade do Código das Sociedades Comerciais. Como se disse no acórdão do STJ de 22 de outubro de 1997, “Antes da entrada em vigor do CSC vinha-se entendendo que, embora na lei nada impedisse que um trabalhador desempenhasse as funções de administrador, sem deixar de ter aquela qualidade, entendia-se como mais correcto que o contrato de trabalho se suspendesse durante o período em que se exercessem as funções de administrador, independentemente da duração do contrato na altura da nomeação como administrador (cfr. acórdãos deste Supremo de 17 de dezembro de 1983, 7 de fevereiro de 1986 e de 17 de outubro de 1986, em Boletim do Ministério da Justiça, n.º 332/418, 254/380 e 360/499)”, razão pela qual se concluiu que “o n.º 2 do artigo 398.º, em relação aos trabalhadores com um contrato commenos de um ano de vigência, veio acrescentar uma nova causa de caducidade. E apesar do estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º [do Decreto-Lei n.º 372-A/75 – Lei dos Despedimentos], não pode a extinção do contrato prevista naquele n.º 2 aí se enquadrar, pois essa situação não preenche um dos seus requisitos: a impossibilidade definitiva” – cfr. Colectânea da Jurisprudência – Supremo Tribunal de Justiça , Ano V, Tomo III, 1997, pp. 271-272. Por fim, deve ainda atender-se ao elemento histórico. Como ensina Raul Ventura (“Nota sobre a inter- pretação…”, cit., p. 263), “Em Portugal tinha começado, pelo menos na década de 80, em algumas socie- dades, a nomeação de administradores, durante o exercício desse cargo para funções (geralmente de qua- dros – por exemplo diretores) na mesma sociedade ou em sociedades daquela dependentes. A fim de evitar possíveis dificuldades jurídicas, esses contratos de trabalho previam que o seu início coincidiria com o termo das funções de administrador, por qualquer motivo. A intenção dessa prática é tão óbvia, que desnecessita explicações, mas era uma prática repugnante, pois implicava o aproveitamento do cargo de administrador para garantir o seu futuro, à custa da sociedade administrada”. Ainda que esta preocupação se ligue, em pri- meira linha, ao n.º 1 do artigo 398.º do CSC (proibindo a aquisição do vínculo laboral pelo administrador), a previsão da regra fiscalizada – determinando a extinção dos contratos celebrados pouco antes do início das funções sociais – associa-se decisivamente à prevenção daquela prática, envolvendo aqueles contratos

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