TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

195 acórdão n.º 774/19 recentes no mesmo regime. Nestes termos, parece claro que o legislador interveio inovatoriamente para erra- dicar uma prática que, ao tempo da aprovação da norma, se vinha verificando ser permitida: “É manifesta a preocupação de evitar celebrações de contratos de trabalho com datas muito próximas da designação, e presumivelmente fraudulentos, para conseguir a manutenção, após cessar o cargo de administrador” (Raúl Ventura, ibidem , p. 264). Tanto basta para concluir, no seguimento dos Acórdãos n. os 1018/96, 626/11 e 53/19 (que confirmou a Decisão Sumária n.º 778/18), que a norma fiscalizada introduziu uma nova causa de caducidade do con- trato, que não se confunde com a impossibilidade definitiva de prestação laboral. 8.5. Quanto à segunda linha argumentativa, a questão que se põe é a de saber se a norma em crise, por- que o seu escopo é societário (garantir a exclusividade dos administradores) e só reflexamente produz efeitos no contrato de trabalho, pode ficar fora do âmbito de legislação do trabalho. O argumento não procede. Desde logo, deve sublinhar-se que a norma ora em crise “não tem por objeto a relação entre sociedade e administrador, enquanto administrador, mas a (im)possihilidade da coexistência daquele vinculo com outra relação jurídica de trabalho” (Luís Miguel Monteiro, Anotação… , cit. , p. 423, e Regime… , cit. , p. 513), pelo que é muito discutível que a sua matriz societária decorra somente da ratio legis ligada à governação das sociedades comerciais. Com efeito, e por comparação com outros ordenamentos jurídicos, torna-se claro que a opção legislativa foi a de atuar no contrato de trabalho em detrimento de outras eventuais soluções, igual- mente dirigidas a assegurar o princípio de incompatibilidade, com matriz efetivamente societária. Atente-se, a título de exemplo, no artigo 93.º da Lei das Sociedades Comerciais francesa de 1966 – Loi n.º 66-573 du 24 juillet de 1966 sur les sociétés commerciales (entretanto revogada pela Lei Madelin ): “Nesta, um trabalhador não pode ser designado administrador senão quando o seu contrato de trabalho for anterior em pelo menos dois anos a sua designação. A designação como administrador em violação dessa regra é nula, subsistindo, no entanto, o contrato de trabalho. Pelo contrário, perante a lei portuguesa, o efeito da designação como admi- nistrador de um trabalhador cujo contrato de trabalho tenha duração inferior a um ano não é a nulidade da designação mas a extinção do contrato de trabalho” (Ilídio Duarte Rodrigues, cit. , p. 307). Isto é, enquanto que o legislador francês interveio na relação jurídico-societária, determinando a nulidade da designação como administrador, a norma ora em crise produz efeitos no contrato de trabalho, fazendo-o caducar (Raul Ventura, Nota sobre a interpretação… , cit., p. 263). O que torna difícil de aceitar que o escopo societário é suficiente para a qualificação da regra como comercial, apenas reflexamente produzindo efeitos no estatuto laboral. Tendo o legislador intervindo no regime do contrato de trabalho (estatuindo uma causa de caducidade), ainda que com um escopo marcadamente societário, resta saber se essa atuação deve ter-se como meramente reflexa ou mediata. Com efeito, é incontroverso que a jurisprudência do Tribunal Constitucional restringe o direito de participação às normas que diretamente influam no estatuto dos trabalhadores, sendo esse o “con- ceito constitucionalmente adequado de legislação do trabalho” (Acórdãos n. os 203/90 e 263/90). De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, o carácter direto da afetação é apreciado pelos seus efei- tos: apenas se considera legislação do trabalho aquela que se repercuta diretamente na situação jurídica dos trabalhadores, motivando por isso a participação das suas organizações representativas (Acórdão n.º 203/90). Na síntese do Acórdão n.º 355/91: “normas que regulam directamente as relações individuais (cujos sujeitos são o trabalhador e a entidade patronal, e cujo facto determinante é o contrato de trabalho celebrado entre estes) e colectivas de trabalho (em que os sujeitos da relação individual aparecem considerados no ângulo das categorias em que se inserem) e bem assim os direitos dos trabalhadores enquanto tais ( v. g. direito à retribuição, a férias, ao horário de trabalho e descanso semanal, à segurança e higiene mio trabalho etc.) e suas organizações (os direitos das associações sindicais e das comissões de trabalhadores, previstos na Lei Fundamental). Noutros termos, no conceito de legislação do trabalho cabem as normas que respeitem directamente à regulamentação e efectivação de todos os direitos fundamentais reconhecidos aos trabalhadores na

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