TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

197 acórdão n.º 774/19 e uniforme, que a ausência de qualquer menção à participação das organizações representativas dos trabalha- dores nos preâmbulos dos diplomas legais, presume que ela não ocorreu (cfr., entre muitos outros, os Acór- dãos n. os 31/84, 451/87, 201/90, 203/90, 232/90, 61/91, 355/91, 24/92, 93/92, 124/93, 229/94, 609/94, 109/95, 581/95, 345/96, 713/96, 178/97, 477/98 e 368/02), presunção essa que pode ser ilidida pelo autor da norma (cfr. Acórdãos n.º 93/92, 430/93, 609/94, 109/95, 713/96, 178/97). Do mesmo passo, a menção no preâmbulo da participação das organizações de trabalhadores gera a presunção de que aquela teve lugar, cabendo a estas afastá-la (Acórdão n.º 104/04). Ora, não constando do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro (que aprova do Código das Sociedades Comerciais, qualquer referência à audição prévia das organizações representativas dos traba- lhadores, caberia ao autor da norma ilidir a presunção – cfr. Acórdão n.º 93/92 e José Manuel Meirim, cit. , p. 25). Tendo o Primeiro-Ministro, apesar de notificado, simplesmente oferecido o merecimento dos autos, não se pode ter por afastada tal presunção. Deve, pois, considerar-se preterida aquela obrigação constitucio- nal, inquinando a norma de um vício de natureza formal. 10. Quanto aos efeitos da preterição da participação das organizações representativas dos trabalhadores, o Tribunal Constitucional optou decisivamente pela tese da inconstitucionalidade, de forma “clara e única” (José Manuel Meirim, cit. , p. 32). A jurisprudência do Tribunal Constitucional é unânime quanto a este problema, cominando com a inconstitucionalidade formal, por vício de procedimento, a violação do direito de partici- pação das organizações representativas dos trabalhadores – cfr., entre muitos, Acórdãos n. os  31/84, 451/87, 107/88, 157/88, 218/89, 232/90, 61/91, 64/91, 24/92, 93/92, 124/93, 430/93, 345/96, 360/03. Também na doutrina, a tese da inconstitucionalidade encontra amplo consenso (Gomes Canotilho, cit., p. 1322; Jorge Miranda, Manual…, tomo VI, cit. , p. 195; Rui Medeiros, Anotação ao artigo 56.º , cit., p. 1108, e Valores jurí- dicos… , cit. , p. 544; Pedro Machete, cit. , p. 364; José Manuel Meirim, cit. , p. 11; Bernardo Lobo Xavier, “A Constituição portuguesa como fonte do direito do trabalho e os direitos fundamentais dos trabalhadores”, in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea , Almedina, Coimbra, p. 189; José João Abrantes, O Direito do Trabalho e a Constituição, Lisboa, AAFDL, 1990, p. 27. Todavia, apesar de constituir um vício de natureza formal, a inconstitucionalidade assim gerada não implica necessariamente a invalidade de todo o ato normativo, afetando somente as normas que se qualifi- quem como legislação do trabalho (Gomes Canotilho, cit., p. 960). Pode, porém, questionar-se a bondade da apreciação a todo o tempo deste vício procedimental. Na verdade, porque a fiscalização do procedimento legislativo pode ocorrer temporalmente muito desfasada do momento em que as normas foram aprovadas, é discutível a sua adequação: “Fará sentido que muitos anos depois de publicado, um diploma seja sujeito a escrutínio por não terem sido ouvidas algumas organizações representativas dos trabalhadores?” (Bernardo Lobo Xavier, “A jurisprudência…”, cit., p. 233, nota n.º 66). É neste quadro que se vem alvitrando que o controlo da participação das organizações de trabalhadores seja submetido a um prazo ou que se venha a estabelecer um princípio de caso julgado negativo para os casos em que o Tribunal Constitucional tenha concluído pela não inconstitucionalidade formal ( ibidem ). Independentemente da valia destas propostas, certo é que apenas são configuráveis de iure condendo , não podendo o Tribunal Constitucional, em face do ordenamento jurídico vigente, recusar-se a fiscalizar o cum- primento dos trâmites procedimentais de formação normativa, mesmo muitos anos depois da aprovação das regras sob fiscalização. Aliás, o Tribunal Constitucional por várias vezes concluiu pela inconstitucionalidade decorrente da violação do direito de participação das organizações representativas dos trabalhadores apesar de o procedimento legislativo ter decorrido muitos anos antes da fiscalização (cfr. Acórdãos n. os  178/97 [10 anos], 477/98 [14 anos], 24/92 [15 anos] e 517/98 e 634/98 [20 anos]). A ponderação que oTribunal pode fazer desta dissociação temporal radica no instituto da limitação de efeitos (artigo 282.º, n.º 4, da Constituição), “o qual permite atribuir relevância à diferente gravidade do vício que, no caso concreto, afecta a lei inconstitucional e, segundo parte da doutrina, consente inclusivamente uma limitação de efeitos in futuro ou, inclusivamente, uma decisão de provimento fictício” (Rui Medeiros, Anotação ao artigo 56.º , cit., p. 1109).

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