TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

218 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL na verdade, que o mesmo se substitua ao Supremo Tribunal de Justiça na resposta à questão de saber se o acórdão concretamente recorrido é ou não subsumível à previsão constante do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, pretensão essa que não tem lugar no âmbito de um sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade de natureza estritamente normativa, como é aquele que se encontra acolhido no artigo 280.º, n.º 1, da Constituição. Sob incidência do conceito funcional de norma, desde há muito assente na jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão n.º 26/85), o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade visa o controlo dos atos que contenham uma «regra de conduta» para os particulares ou para a Administração, um «critério de decisão» para esta última ou para o juiz ou, em geral, um «padrão de valoração de comportamentos», emanado de um poder normativo público e detendo, por isso, natureza heterónoma (heteronomia normativa) (vide, por todos Acórdão n.º 508/99). Não compreendendo o conceito funcional de norma os atos de pura aplicação, pelos Tribunais, de uma regra ou padrão valorativo pré-determinado (cfr. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional , Coimbra: Almedina, 2010, p. 27), bem se vê não poder constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade a questão de saber se, ao considerar inverificados, em face da natureza e teor decisão concretamente recorrida, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça violou «a garantia constitucional de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição». Apesar de reunir, no plano formal, as características de generalidade e abstração próprias dos enunciados nor- mativos, a asserção sindicada pelos ora recorrentes é, no plano substancial, integrada exclusivamente pela chamada «norma do caso», isto é, pela «norma» que resulta da conjugação entre o conteúdo expresso nos «elementos estru- turais» da norma aplicável e os factos relevantes do caso (cfr. David Duarte, A norma de legalidade procedimental administrativa – a teoria da norma e a criação de normas de decisão na discricionariedade administrativa , Coimbra: Almedina, 2006, p. 190). Vale a pena recordar o que a propósito se escreveu no Acórdão n.º 695/16: «Se por «norma» se entendesse qualquer «regra abstrata» identificada pelo recorrente na decisão recorrida, a distinção entre norma e decisão seria inviável. Com efeito, estando os tribunais vinculados ao dever de funda- mentar expressamente as suas decisões, articulando para elas razões imparciais e objetivas, e sendo as razões, hoc sensu , critérios de decisão universalizáveis, na medida em que dizem sempre respeito a toda uma série de casos potenciais para os quais são válidas, não há decisão jurisdicional alguma que não seja suscetível de uma tra- dução normativa nos termos defendidos pelo recorrente – que tenha por fundamento, quer isto dizer, uma «norma do caso» ou  ratio decidendi . […] Acresce que se o conceito de norma relevante para efeitos da delimitação do objeto idóneo dos recursos de constitucionalidade fosse aquele que está implícito nas alegações do recorrente, a viabilidade destes deixaria de se basear num pressuposto objetivo e controlável para ficar inteiramente dependente do maior ou menor engenho demonstrado pelo recorrente na redação do requerimento de interposição do recurso». Em suma: ao pretenderem que seja julgada inconstitucional a «norma do artigo 671.º, n.º 2, al. b) , do Código de Processo Civil, interpretada e aplicada no sentido de que o acórdão da Relação que revoga uma decisão da Primeira Instância de extinção da instância por deserção não aprecia uma decisão interlocutória que recaia unicamente sobre a relação processual e não é, por isso, suscetível de recurso de revista», os recorrentes enunciam uma questão de constitucionalidade que, no plano substantivo, não só não é diferente, como não é sequer diferenciável do problema de direito infraconstitucional apreciado e decidido pelo tribunal a quo. Uma vez que o Tribunal Constitucional um Tribunal de normas e não dos atos do poder judicial (cfr. Acórdãos n.º 429/14 e 695/16), o objeto do recurso interposto nos presentes autos não pode ser conhecido por falta de idoneidade. Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho de admissão proferido pelo tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

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