TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

221 acórdão n.º 484/19 16. Ora, o caso com que nos deparamos no caso dos autos é muito diverso: situamo-nos aqui já não num domínio extra verbis legis , mas ainda intra verbis legis, e por isso abrangido pelos poderes de cognição do Tri- bunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 80.º, n.º 3, da LTC. 17. Na realidade, interpretar, como fez o STJ, uma «decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual», segundo a expressão do artigo 671.º, n.º 2, alínea b) , do C.P.C., como excluindo uma decisão de extinção da instância por deserção não implica certamente «a aplicação do direito para além da lei», para usar a expressão do Acórdão n. º 695/16. 18. Estamos aqui certamente perante um caso claro de interpretação, para efeitos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC e não perante um caso de desenvolvimento da lei, como aqueles a que se reporta o Acórdão n. º 695/16, no trecho atrás transcrito. 19. E não é difícil, de resto, situar a fronteira entre as duas realidades: no sentido possível das palavras usadas pelo legislador, como se crê, de resto, ter sido demonstrado pelo simples enunciado das hipóteses nor- mativas que se perfilam na disciplina do CPC sobre a matéria. 20. Esta é, de facto, a lição que se pode retirar das vozes mais autoritárias sobre a questão. Assim, Franz Bydlinski afirma que «[o]s resultados metódicos que se movimentam ainda no quadro do sentido possível das palavras pertencem à interpretação. Pelo contrário, se o sentido possível das palavras for ultrapassado (…), pode apenas existir desenvolvimento complementar da lei» (cfr. Grundzüge der juristischen Methodenlehre , 2.ª edição, Facultas, Viena, 2012, pp. 76-77). No mesmo sentido, Castanheira Neves, referindo-se ao sentido do artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, considera não existir sensível diferença entre o «sentido possível das palavras» e o «mínimo de correspondência verbal», a que alude a citada disposição, uma vez que em ambos os casos se deve ir «até onde as regras filológicas o admitem» (cfr. “O Princípio da Legalidade Criminal”, in Digesta , vol. 1.º, Coimbra Editora, 1995, p. 434, nota 269). 21. As razões expendidas permitem também concluir que não é posto em causa, no caso dos autos, o con- ceito funcional de norma adotado na jurisprudência constitucional, pois se mostra rigorosamente respeitada a «natureza heterónoma» do critério de decisão a que se reconduz o objeto do presente recurso. 22. De resto, as Recorrentes não invocam alguma vez que o critério normativo em causa tenha sido criado pelo STJ, mas antes o perspetivam como estritamente resultante do preceituado no artigo 671.º, n.º 2, alínea b) , do C.P.C. 23. Por último, permita-se-nos afirmar que se afigura perigoso o caminho trilhado pela decisão de que se reclama, ao lançar mão da distinção entre satisfação «formal» e «material» das características de generalidade e abstração dos enunciados normativos, pois suscetível de conduzir diretamente ao resultado de que apenas os designados « easy cases » possam no futuro vir a ser conhecidos pelo Tribunal Constitucional. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente reclamação ser atendida, considerando-se idóneo o objeto do presente recurso de constitucionalidade, revogando-se a Decisão Sumária n.º 393/19, e determinando-se a notificação para produção de alegações nos termos previstos no artigo 79.º da LTC». 4. A recorrida C. pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação apresentada, nos termos seguintes: «1. Com o devido respeito, a reclamação para a Conferência apresentada pelas Recorrentes configura, de novo, um exercício meramente dilatório, que apenas tem em vista protelar o trânsito em julgado da decisão. Por isso mesmo, os Autores da ação judicial principal à margem melhor identificada não deixarão de tomar, no local próprio, as providências relevantes para sindicar o que consideram – e se afigura claro – ser um compor- tamento abusivo, reiteradamente dilatório e infundado das Recorrentes. 2. A este propósito, é particularmente surpreendente o descaramento das Recorrentes ao referirem que a decisão sumária não aplica corretamente a doutrina constante do Acórdão n.º 695/16, invocado na decisão reclamada (e que, no seu entender, conduziria à admissão do recurso). Como é evidente, a decisão sumária

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