TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

223 acórdão n.º 484/19 15. É manifesto, portanto, que, mesmo tendo em conta a amplitude que o Tribunal Constitucional tem atribuído ao conceito funcional de norma, para efeitos de delimitação do objeto do seu controlo, no caso con- creto nada há que se possa reconduzir a esse conceito. 16. Recorrendo, de novo, a quanto afirma Carlos Lopes do Rego: “O recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica – não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade do ato concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador, exclusivamente imputável à latitude própria da confirmação interna da decisão judicial – por ser evidente que as competências e os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional não envolvem seguramente o controlo das operações sub- suntivas realizadas pelo julgador “ ( op. cit. , p. 32). 17. Uma vez que, como bem se nota na decisão sumária, o STJ se limitou, no âmbito da ponderação que fez do caso que apreciou, a concluir inverificados os pressupostos de que o legislador faz depender a admis- sibilidade do recurso de revista, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, em causa está um puro ato de julgamento e não qualquer orientação interpretativa teoricamente passível de apreciação em sede de fiscalização concreta. 18. Aliás, há uma passagem do acórdão do STJ que não deixa quaisquer dúvidas quanto à natureza e teor da apreciação por ele levada a cabo: referimo-nos à frase em que aquele tribunal afirma que “a despeito de se conhecer que o acórdão recorrido abordou e decidiu uma questão adjetiva, não seja possível, com a devida pro- priedade, considerar aquele douto aresto passível de ser integrado na previsão do n.º 2 do artigo 671.º ” (itálico nosso) 19. E, se o STJ não fez qualquer interpretação daquele normativo, não é legalmente admissível, no âmbito de um recurso de constitucionalidade, apreciar a atividade subsuntiva que o levou, tão só, a entender não esta- rem reunidos os requisitos para a admissibilidade do recurso de revista (ver, em sentido comparável, o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 82/01). 20. Embora fique claro o acerto da leitura expressa na decisão sumária, não deixará de sublinhar-se, adi- cionalmente, que o STJ aponta, ainda, para a circunstância de os princípios constitucionais do direito a um processo equitativo e da igualdade das partes, não implicarem a recorribilidade de todas as decisões para aquele tribunal. 21. Com efeito, é entendimento unânime do Tribunal Constitucional que, com exceção do direito penal ou, em termos mais gerais, do direito sancionatório, o duplo grau de jurisdição não se acha jusfundamental- mente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade de conformação ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos, nomeadamente em função do valor da causa. 22. Ver a este propósito, e a título de mero exemplo, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 93-447, 94-249, 94-261 ou 96-930, transcrevendo-se, por impressivo, o sumário deste último, I – Em matéria de direito ao recurso, entendido como direito a um duplo grau de jurisdição, tem o Tri- bunal Constitucional entendido, invariavelmente, ser o mesmo restringível pelo legislador ordinário, estando-lhe apenas vedada a abolição completa ou afetação substancial (entendida como redução intolerável ou arbitrária) deste, sendo que o texto constitucional não garante, genericamente, o direito a um segundo grau de jurisdição e muito menos a um terceiro grau. II – Ora, no caso em apreço, o que a recorrente reivindica é, após o exercício do direito ao duplo grau com o recurso para a Relação, o direito a um terceiro grau através do recurso para o Supremo Tribunal, direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental não lhe confere, não suscitando a norma ques- tionada nenhum problema novo neste tempo. 23. Mais: a questão é de tal forma pacífica que, em matéria cível, não existiu qualquer necessidade deste Tribunal Constitucional se pronunciar sobre o assunto nos últimos 15 anos. 24. Neste sentido, a pretensão das Recorrentes – ao considerarem inconstitucional a interpretação do n.º 2 do artigo 67l.º do CPC que não permite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões qualificadas

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