TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - O requisito relativo à ausência de condenação por crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, quando interpretado literalmente – ou seja, com o sentido de uma tal decisão judicial condenatória obstar, em todo e qualquer caso, à concessão da nacionalidade – enquanto fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, mereceu a censura deste Tribunal por se mostrar incompatível com a realização de outras exigências e princípios que a Lei Fun- damental igualmente tutela; na Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, o legislador deixou de utilizar como critério a moldura penal abstrata (no caso, o seu limite máximo), tendo passado a utilizar, para os mesmos efeitos, a pena concretamente aplicada. IV - Em matéria de acesso à nacionalidade portuguesa, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a rea- firmar algumas premissas fundamentais: a de que o direito à cidadania portuguesa tem a natureza de direito fundamental; a de que não só deve ser reconhecido o direito fundamental a não ser privado da cidadania portuguesa, como deve também reconhecer-se o direito de aceder à cidadania portuguesa a qualquer pessoa que tenha a expectativa jurídica de a adquirir; a de que o legislador não goza de liberdade ilimitada na determinação desses pressupostos, porquanto dos artigos 4.º e 26.º, n. os 1 e 4, da Constituição – assim como de outros preceitos constitucionais e de direito internacional –, resulta delimitado um «conteúdo mínimo que o legislador ordinário não poderá postergar na definição do regime de acesso ao direito em causa»; a de que, consequentemente, as condições legalmente fixadas para o acesso à cidadania não poderão deixar de «passar o crivo da adequação, necessidade e propor- cionalidade, tendo em vista precisamente a preservação do núcleo essencial de tal direito que, por natureza, há de corresponder à evidenciação de um específico vínculo de integração na comunidade portuguesa». V - Entre os princípios de direito internacional que ao legislador se impõe respeitar neste âmbito, revela- -se especialmente digna de tutela a expectativa de um residente que preencha requisitos que, à luz do direito internacional, o Estado português se encontre adstrito a valorizar ou que aspire a beneficiar da proteção conferida pela Constituição da República Portuguesa a outros fatores; de modo simétrico, será especialmente imerecida a proteção das expectativas de um residente cuja conduta, por evidenciar uma manifesta desconsideração pelos princípios e valores constitucionais por que se rege o Estado a que requer nacionalidade, indicia a ausência de uma efetiva ligação a essa mesma comunidade. VI - Se o reconhecimento de um núcleo essencial do direito à cidadania não pode ser dissociado da «eviden- ciação de um específico vínculo de integração na comunidade portuguesa», também não se vê como possa prescindir de uma adequada ponderação dos fatores que objetivamente confirmam ou infirmam esse vínculo; na medida em que inviabiliza a ponderação dos fatores que objetivamente evidenciam um específico vínculo de integração na comunidade portuguesa, a imposição de uma condição que se baseia única e exclusivamente na pena abstratamente aplicável às condutas criminosas tidas como demonstrativas da inexistência dessa efetiva ligação, embora possa considerar-se adequada à prossecu- ção dos fins que visa atingir, não resiste ao teste da necessidade, devendo reconhecer-se que os mesmos fins poderiam ser atingidos por medidas menos onerosas para o requerente de acesso à cidadania, que garantissem a preservação do núcleo essencial do direito fundamental de que é titular, impondo-se concluir que a norma nos termos da qual a condenação em pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução e não transcrita obsta inelutavelmente à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de um cidadão que, em face de diversos fatores constitucional e jus-internacionalmente relevan- tes, possui um vínculo efetivo com a comunidade portuguesa, é inconstitucional, na medida em que constitui uma restrição desproporcional do direito fundamental de acesso à cidadania portuguesa.

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