TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 4. Todos os elementos processualmente relevantes acima indicados ( i. e. a decisão recorrida, o requer- imento de recurso, as alegações do Ministério Público e as contra-alegações do recorrido) se basearam no pressuposto de que a concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização depende, inter alia , do pres- suposto de que o interessado não tenha sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. Era isso que prescrevia o artigo 6.º, n.º 1, alínea d) , da Lei da Nacionalidade, na redação que se encontrava em vigor naqueles momentos processuais, i. e. , na redação conferida àquele diploma pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho – a qual, de resto, no que respeita ao preceito em apreço, é idêntica à que fora introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Todavia, a norma que a decisão recorrida desaplicou foi revogada, prevendo-se agora no mesmo preceito – o artigo 6.º, n.º 1, alínea d) , da Lei da Nacionalidade, alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho – que: «O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos: (...) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos». É certo que da letra do artigo 19.º, n.º 1, do Regu- lamento da Nacionalidade – na sua última redação ( i. e. , a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 71/2017, de 21 de junho) – continua a contar «pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos». Por outro lado, o artigo 4.º a Lei Orgânica n.º 2/2018 incumbe o Governo de proceder «às necessárias alterações ao Regulamento da Nacionalidade (...) no prazo de 30 dias a contar da publicação da presente lei», o que, de momento, ainda não aconteceu. Porém, aquela norma do Regulamento da Nacionalidade deve ter-se por revogada tacitamente pela Lei Orgânica n.º 2/2018, que constitui não apenas lei posterior, mas também lei de valor paramétrico superior a esse Regulamento. 5. A revogação superveniente de uma norma é suscetível de se repercutir no conhecimento dos recursos de constitucionalidade a ela respeitantes: cfr., relativamente à fiscalização abstrata da constitucionalidade, e. g. o Acórdão n.º 426/18; relativamente à fiscalização concreta e, mais especificamente, a recursos inter- postos ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (como é o caso do recurso aqui em apreço), e. g. o Acórdão n.º 281/10. No caso em apreço, o recorrido foi punido como cúmplice em pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por um crime de roubo, abstratamente punível com pena de prisão entre 1 e 8 anos, nos termos do disposto no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal. O próprio despacho do Instituto dos Registos e do Notariado I.P. que indeferiu o pedido de concessão da nacionalidade e deu causa à ação administrativa especial intentada pelo recorrido sublinhou que essa decisão se impunha em virtude de o critério legal ser o de ter sido praticado «crime punível » (itálico no original) com moldura penal de dado limite máximo (que, no caso, era atingido), «sendo irrelevante a pena efetivamente aplicada» (que, no caso, seria inferior àquele limite, caso o mesmo se reportasse à medida concreta da pena) – vide o verso da fl. 108 dos autos. A referida alteração legislativa tem, pois, um impacto positivo para candidatos à obtenção da naciona- lidade portuguesa que se apresentem em circunstâncias como aquelas que envolvem o aqui recorrido. No entanto, atento o disposto no regime transitório previsto no artigo 5.º da Lei Orgânica n.º 2/2018, essa alteração não se afigura aplicável aos presentes autos, mas apenas poderia aproveitar ao recorrido num futuro requerimento que o mesmo viesse a submeter com vista a obter a nacionalidade portuguesa. Esta circuns- tância tem implicações jurídicas relevantes, visto que a aquisição da nacionalidade só produz efeitos a partir da data do registo (cfr. os artigos 12.º da Lei da Nacionalidade e 12.º do Regulamento da Nacionalidade) – em contraste com o que acontece com a atribuição de nacionalidade originária, que produz efeitos desde o nascimento (cfr. os artigos 11.º da Lei da Nacionalidade e 2.º do Regulamento da Nacionalidade). Por essa razão, impõe-se conhecer o objeto do presento recurso.

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