TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

235 acórdão n.º 497/19 6. Constitui, pois, objeto do presente recurso a norma, extraída do artigo 6.º, n.º 1, alínea d) , da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), na redação que lhe foi conferida pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, vigente à data da decisão recorrida, nos termos da qual a concessão da naciona- lidade portuguesa por naturalização depende, entre outros, do pressuposto de que o interessado não tenha sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. Nesta versão, a Lei da Nacionalidade continuou a condicionar a obtenção de nacionalidade por natura- lização ao pressuposto (objetivo) de que o requerente não tenha cometido crime de determinada gravidade, mantendo-se assim fiel ao paradigma introduzido pela Lei Orgânica n.º 2/2006, que expurgara do regime da naturalização o requisito da “idoneidade cívica”, de natureza acentuadamente subjetiva – vide Rui Moura Ramos, “A Renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006”, de 17 de abril, in Revista de Legislação e Jurisprudência , ano 136, n.º 3943 (2007), pp. 207 e seguintes. Conforme se afirmou no Acórdão n.º 106/16 em relação ao fundamento homólogo de oposição à aqui- sição da nacionalidade, constante do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, através deste requisito o legislador procurou, em certa medida, «obstar a que aqueles que, por via da prática daqueles crimes, judicialmente aferida, ofenderam os bens jurídicos a que a comunidade nacional entendeu conferir uma tutela jurídico- -penal traduzida numa moldura penal de máximo igual ou superior a três anos, integrem a comunidade cujos bens (assim) tutelados não respeitaram». Entendeu então este Tribunal que «a condição de não ocorrência de condenação (…) corresponde, ainda, à densificação do vínculo de ligação efetiva entre a pessoa e o Estado (português) que baseia a cidadania». Embora o legislador tenha reduzido significativamente a discricionariedade administrativa na aferição da idoneidade dos requerentes, a aplicação deste requisito legal não deixou de suscitar dificuldades assina- láveis aos tribunais administrativos – vide Constança Urbano de Sousa, “A naturalização do estrangeiro residente: concretização do direito fundamental à cidadania portuguesa – Acórdão do STA de 5 de fevereiro de 2013, p. 76/12”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 107 (2014), pp. 23 e seguintes. O problema da aplicação literal e imediata deste requisito colocou-se sobretudo em casos em que a pena concretamente aplicada sugeria que o crime apresentava uma gravidade reduzida, não permitindo por isso que se «retira[sse] da condenação criminal em causa a infirmação dessa mesma ideia de efetividade do vínculo de ligação» (Acórdão n.º 106/16). 7. Também na jurisprudência do Tribunal Constitucional se encontra testemunho dos problemas colo- cados pelo requisito relativo à ausência de condenação por crime punível com pena de prisão igual ou supe- rior a três anos, quando interpretado literalmente – ou seja, com o sentido de uma tal decisão judicial conde- natória obstar, em todo e qualquer caso, à concessão da nacionalidade. Enquanto fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, o requisito mereceu a censura deste Tribunal por se mostrar incompatível com a realização de outras exigências e princípios que a Lei Fundamental igual- mente tutela, em dois juízos formulados em termos e com fundamentos distintos. No Acórdão n.º 106/16, considerou-se que este fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade não ofendia a proibição de efeitos automáticos e necessários das penas, consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Todavia, verificou-se que uma tal exigência era inconciliável com «a ponderação feita pelo mesmo legislador em sede de cessação da vigência no registo criminal das decisões nele inscritas, assim correspondendo a uma reabilitação legal». Ante esta aparente contradição, concluiu o Tribunal que «não se afiguraria constitucionalmente admissível uma interpretação das normas da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade portuguesa e da alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade portu- guesa, nas versões aplicadas nos autos, que desconsiderasse a ponderação do legislador efetuada em sede de cessação da vigência da condenação penal inscrita no registo criminal e seu cancelamento e a correspondente reabilitação legal, sob pena de contradição intrassistémica, justifica-se proferir uma decisão interpretativa, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, devendo o tribunal recorrido adotar a interpretação que

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