TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

237 acórdão n.º 497/19 Como é sabido, a concretização do que deve considerar-se a «nacionalidade real e efetiva» para efeitos de naturalização (em especial de cidadãos que já são nacionais de outro Estado) apela a diferentes indícios de efetiva ligação vivencial ao Estado que confere a nacionalidade, de entre os quais sobressai a residência habi- tual e permanente (vide v. g. o artigo 6.º, n.º 3, da já referida Convenção Europeia sobre a Nacionalidade). Por outro lado, uma tal concretização é também determinada pela «inevitável comunicação entre direito da nacionalidade e valores constitucionais» (Acórdão n.º 605/13) e pelo direito internacional (cfr. os artigos 4.º e 16.º, n.º 2, da Constituição) A essa luz, revela-se especialmente digna de tutela a expectativa de um residente que preencha requisitos que, à luz do direito internacional, o Estado português se encontre adstrito a valorizar (como os elencados no artigo 6.º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade), ou que aspire a beneficiar da proteção conferida pela Constituição da República Portuguesa a outros fatores [que não se esgotam na proteção da família e da infância conferida pelos artigos 36.º, 64.º, n.º 2, alínea b) , e 67.º – atente-se, v. g. , na especial consideração dedicada pelo artigo 15.º, n.º 3, aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa]. De modo simétrico, será especialmente imerecida a proteção das expectativas de um residente cuja conduta, por evidenciar uma manifesta desconsideração pelos princípios e valores constitucionais por que se rege o Estado a que requer nacionalidade, indicia a ausência de uma efetiva ligação a essa mesma comunidade. 11. Ora, se o reconhecimento de um núcleo essencial do direito à cidadania não pode ser dissociado da «evidenciação de um específico vínculo de integração na comunidade portuguesa», também não se vê como possa prescindir de uma adequada ponderação dos fatores que objetivamente confirmam ou infirmam esse vínculo. Deste modo, qualquer requisito legal, quando interpretado no sentido de não permitir a avaliação de circunstâncias concretas que a própria comunidade se vinculou a valorar ou a não valorar (seja através do legislador nacional, seja através dos compromissos internacionais assumidos), dificilmente poderá passar o crivo do princípio da proporcionalidade. O caso dos autos é disso mesmo exemplar, visto estarmos perante um indivíduo: (i) que é cidadão de um país de língua portuguesa (cfr. o artigo 15.º, n.º 3, da Constituição); (ii) que reside em Portugal desde que é menor, tendo aqui completado pelo menos um ciclo de escolaridade [cfr. o artigo 6.º, n.º 4, alínea f ) , da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade]; (iii) que foi condenado numa pena de prisão de 1 (um) ano, suspensa na sua execução por igual período (ao abrigo do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal); e (iv) cuja condenação o juiz determinou que nem fosse transcrita para os certificados de registo criminal requeridos para efeitos de emprego, exercício de atividade ou outros fins (nos termos previstos, àquela data, no artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, na redação da Lei n.º 114/2009, de 22 de setembro, hoje no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio). Importará sublinhar que, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão da execução de uma pena de prisão apenas é possível: (i) se a pena concretamente aplicada não for superior a 5 (cinco) anos, medida de pena que traça a fronteira do conceito de pequena-média criminalidade relevante para inúmeros efeitos jurídicos, tanto processuais como substantivos (cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança , Almedina, 2017, p. 22); e (ii) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal puder concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Mais exigentes ainda são as condições em que o legislador permitiu a não transcrição de decisões conde- natórias. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 (semelhante ao vigente artigo 13.º da Lei n.º 37/2015), a não transcrição é possível somente quando: (i) a medida da pena concretamente aplicada não for superior a 1 (um) ano (medida que se integra ainda no conceito de pequena criminalidade: cfr. ibidem ); e (ii) das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. 12. Na medida em que inviabiliza a ponderação dos fatores que objetivamente evidenciam um especí- fico vínculo de integração na comunidade portuguesa, a imposição de uma condição que se baseia única e

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