TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL exclusivamente na pena abstratamente aplicável às condutas criminosas tidas como demonstrativas da ine- xistência dessa efetiva ligação, embora possa considerar-se adequada à prossecução dos fins que visa atingir, não resiste ao teste da necessidade, devendo reconhecer-se que os mesmos fins poderiam ser atingidos por medidas menos onerosas para o requerente de acesso à cidadania, que garantissem a preservação do núcleo essencial do direito fundamental de que, nos termos acima expostos, é titular. Por quanto se expôs, impõe-se concluir que a norma nos termos da qual a condenação em pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução e não transcrita obsta inelutavelmente à aquisição da nacionali- dade portuguesa por parte de um cidadão que, em face de diversos fatores constitucional e jus-internacional- mente relevantes, possui um vínculo efetivo com a comunidade portuguesa, é inconstitucional, na medida em que constitui uma restrição desproporcional do direito fundamental de acesso à cidadania portuguesa. 13. Quando da aplicação do requisito negativo em apreço resultar ope legis a impossibilidade de ver deferida uma pretensão (de aquisição da cidadania portuguesa) que, nos termos expostos, convoca a apli- cação dos artigos 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, não poderá também deixar de entender-se que a norma de que decorre esse requisito ofende também o artigo 30.º, n.º 4, da Lei Fundamental, em termos semelhantes aos que se acolheram no Acórdão n.º 331/16 (embora se estivesse aí perante uma dispensa de pena e não perante uma suspensão da execução de pena): «Conforme resulta da jurisprudência constitucional (ver, por exemplo, Acórdãos n. os 327/99, de 26 de maio, 176/00, de 22 de março, e n.º 154/04, de 14 de março [...]), os efeitos da pena estão submetidos não apenas aos princípios-garantia das penas e medidas de segurança, como também ao princípio da proporcionalidade, «no sen- tido de que qualquer “efeito (acessório) da pena” pressupõe, por um lado, uma certa gravidade do facto praticado e, por outro, uma fundada conexão entre o efeito (o direito que deve ser declarado perdido) que se quer determi- nar e o facto criminoso praticado. Nestes termos, seria inconstitucional uma lei que, p. ex., privasse do direito de voto quem fosse condenado por um qualquer crime» (cfr. Damião da Cunha, “Anotação ao artigo 30.º”, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 686).  O disposto no n.º 4 do artigo 30.º da CRP implica, portanto, uma proibição de o legislador consagrar critérios legais nos termos dos quais decorra, de uma forma automática, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, em virtude de uma pena aplicada. Mais concretamente, naquilo que importa para o presente caso, se não resultam dúvidas de que é a própria Constituição que comete ao legislador a tarefa de concretizar o direito a aceder à cidadania portuguesa, o que foi feito desde logo pela Lei da Nacionalidade, e que cabe ao legislador, nessa tarefa, a ponderação das conexões relevantes com o Estado português e os critérios que lhes presidem, o legislador está igualmente impedido de criar critérios legais de acesso ao vínculo jurídico da cidadania portuguesa que impliquem, em virtude de uma pena aplicada, a perda automática de direitos civis, profissionais ou políticos. (…) Ora, em face da proibição constitucional de perda automática de direitos civis em virtude da aplicação de uma pena, o julgador, na apreciação do preenchimento do critério de acordo com o qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, não pode estar impedido, em toda e qualquer situação, de valorar as demais circunstâncias associadas à condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, designadamente a efetiva execução da pena aplicada, o tempo que mediou entre a prática do crime e a decisão proferida, a eventual reincidência ou a perseverança na prática criminosa, a ocorrência da extinção da pena, a dispensa de pena. Nestes termos, se é indiscutível que a tarefa de enunciação dos critérios e pressupostos para a atribuição e aqui- sição da cidadania está constitucionalmente reservada ao legislador parlamentar [cfr. alínea  f )  do artigo 164.º da CRP], mesmo que este resolva consagrar um critério objetivo (partindo da condenação por crimes cuja moldura

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