TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

242 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV - A função dos artigos 7.º, n.º 2, alínea c) , e 9.º, n.º 3, alínea b) , da Lei n.º 5/2002 – mais especifica- mente, o período de cinco anos anteriores à constituição como arguido – não é senão mitigar o alcance da presunção de que o património do arguido advém de atividade criminosa; a partir do momento em que se admita que a presunção enunciada no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 é legítima, o seu confinamento a um determinado período temporal apresenta-se como uma limitação a um regime desfavorável ao indivíduo, isto é, apresenta-se, na sua estrutura, como uma norma favorável ao indi- víduo; as únicas questões de constitucionalidade que poderão colocar-se são as de saber se esse regime necessariamente teria de conhecer uma limitação dessa natureza e, em caso afirmativo, se o concreto período de tempo previsto na lei – os cinco anos – se mostra desproporcionalmente longo perante o direito de propriedade garantido pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição. V - A primeira questão fica dispensada de resposta, uma vez que o legislador português limitou tempo- ralmente o regime da perda alargada, e embora o princípio da proporcionalidade imponha alguns limites à intervenção do Estado, é primacialmente ao legislador que compete avaliar a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito dessa intervenção, dispondo o legislador – mesmo em domínios sancionatórios (que não é sequer rigorosamente o caso do instituto aqui em análise) – de uma ampla margem de conformação que apenas cessa quando a desproporcionalidade da norma aprovada for notória, manifesta, flagrante. VI - O período de cinco anos previsto na lei não apresenta as características que seriam necessárias para tor- nar inconstitucional a norma que o prevê; cinco anos afigura-se um período de tempo absolutamente razoável de várias perspetivas – tanto intrassistemáticas [considerando por exemplo a facilidade relati- va de se fazer, dentro desse período, a prova da licitude a que se refere a alínea a) do mesmo artigo 9.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002], como intersistemáticas (considerando por exemplo os prazos da usucapião previstos nos artigos 1287.º e seguintes do Código Civil). VII - O que pode ainda ponderar-se é se, mais globalmente considerada, a presunção prevista no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, comprime desproporcionalmente o direito de propriedade privada, ou seja, se viola os artigos 18.º, n.º 2, e 62.º, n.º 1, da Constituição, conjugados; uma forma de perspetivar esta questão de constitucionalidade passa por considerar que o património confiscado não pode em rigor considerar-se como sendo propriedade do sujeito visado, uma vez que resulta de atividade ilícita; mesmo que por princípio se rejeite a ideia de que o direito de propriedade tem limites imanentes, dúvidas não haverá de que é possível restringi-lo para confiscar vantagens indevidas; de uma perspe- tiva ou de outra, a única nuance da perda alargada relativamente à clássica é que, como na primeira a ilicitude é presumida, a conclusão de que o direito de propriedade não é aí violado pressupõe que a presunção seja suficientemente firme e as possibilidades de ilidi-la razoáveis; essa específica avaliação foi já feita no Acórdão n.º 392/15, onde se concluiu pela suficiente firmeza da presunção. VIII - Quanto mais estreito for o âmbito da presunção – quanto mais exigentes forem os seus pressupostos de aplicação –, mais firme ela será; simplesmente, do ângulo constitucional em que aqui estamos colocados, pode concluir-se que, no seu atual desenho legal, a presunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002 se mostra já suficientemente firme, em resultado da articulação que faz de dois elementos essenciais: uma condenação penal e uma incongruência patrimonial. IX - Relativamente ao primeiro elemento, a aplicação da perda alargada não pode ser desencadeada por uma condenação pela prática de qualquer tipo legal de crime, mas apenas por determinados tipos legais

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